Acabo de chegar de Maceió, onde falei sobre “rituais de passagem” na décima edição do Pajuçara Management. Discorri sobre um assunto anormal num encontro de empresários. Falei de coisas velhas para pessoas dedicadas ao novo. Rituais e símbolos, porém são os 2% dos tais 2% que nos distinguem dos macacos.
Fiz novos amigos e viajei no tempo, porque quando menino de 8 anos, em plenos anos 40, morei em Rio Largo e, depois, em Maceió numa casa que minha saudosa mãe chamava de “castelinho”, localizada na Ponta da Terra. Com um mapa, Sergio Moreira, meu generoso anfitrião em Alagoas, mostrou como esse bairro hoje faz parte de uma ampla malha urbana. Um conjunto litorâneo que, graças à hospitalidade de Bruno Cavalcanti e Rachel Rocha Barros, nós vivenciamos visitando seus sítios mais interessantes e recebendo vastas doses de história e sociologia do Nordeste – esse berço de Brasil.
Acompanhava tudo isso um menino chamado Roberto que, de quando em vez, surgia para relembrar o sabor do sururu comido pela primeira vez em 1942 e confirmado nestes 2012 por um homem de espaçosas 75 primaveras. O mesmo ocorreu naqueles segundos que antecedem a formalidade da palestra. Pois foi num camarim muito confortável que me veio à memória a moeda reluzente de um cruzeiro, a nova unidade monetária nacional criada em 1942, a qual usei de imediato para comprar um “quebra-queixo” ou uma tapioca na praia sem calçadão e automóveis, localizada perto de nossa casa.
Os hospedeiros generosos falavam dos primeiros anos da República dominada pelo nepotismo alagoano então (?) normal dos Fonsecas – o marechal Hermes era sobrinho do igualmente marechal Deodoro -, ambos alagoanos; e, dentro de mim, surgia nítida, como as águas da Praia do Francês, a imagem de uma superfortaleza voadora americana B-25, sobrevoando a antiga Maceió, provavelmente indo de Caravelas para Natal, onde os americanos tinham bases navais e aéreas que foram instrumentais para a conquista do Norte da África e, em seguida, para a invasão da Sicília pelo seu 4.º Exército. Ao lado disso, surgiam figuras de marinheiros e soldados americanos risinhos, distribuindo chocolates para os meninos e cigarros Chesterfield para os adultos, que admiravam a sua qualidade e o azul inefável de sua fumaça. E seguia a caixa de Pandora das minhas recordações, trazendo intacto o momento em que esse mesmo pai, Renato, me deu uma primeira Coca-Cola, com as seguintes palavras: “Prove esta bebida inventada pelos americanos!” Provei e senti o gosto imprevisto na boca do menino habituado aos refrescos caseiros de graviola e cajá.
Essa Maceió de gostos imprevisíveis era bem diferente da cidade previsível que eu percorria. E novamente o menino se retornava lembrando os comentários de meu pai ao retornar de uma tarde dançante tocada a big band num clube de oficiais da Marinha americana: “É incrível – diz meu pai que foi um baiano ciumento mesclado do horror a ser traído pela mulher, esse terror aprendido numa Manaus, onde todos os homens andavam armados – como esses americanos deixam suas mulheres dançar com outros homens…”
Durante anos, essa frase rondou minha vida, tendo sido decisiva na construção de minha masculinidade. Mas minha mãe Lulita, uma exímia pianista, proibida de dançar com outros homens, vingava-se tocando no seu piano uma bela música americana, cujo nome intrigava o casal. Era a canção Tangerine (de 1941), que falava de uma mulher pela qual todos se apaixonavam, mas ela somente flertava a si mesma. Meus pais achavam graça que uma música tivesse o nome de uma fruta. Coisas de americanos…
Tempos em que ainda havia ciúme. Tempos em que tudo era grande e o mundo imenso.
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Voltando ao hotel, li na “Folha de S. Paulo” uma crônica absolutamente clássica – a tal crônica que vale um jornal – do Cony, intitulada “Omelete de Ovos de Camelo”, na qual ele conta suas andanças pelo Cairo, Egito. No país das pirâmides, do generoso Nilo e do deserto inclemente lhe oferecem um exótico omelete de ovos de camelo. Eu também fui ao Cairo e testemunhei o efeito devastador do chá de menta num dos meus companheiros de conferência.
Não fiz, como o Cony, o exercício inútil de inutilmente entrar na barriga da pirâmide. Fui mais estupido: comprei uma pedra do túmulo faraônico feito de pedras! E num gesto de improfícuo, andei e fiz questão de ser fotografado montado num camelo. Não me ofereceram nenhum desconfiável omelete de ovos de camelo mas, diante dessa infame CPI do Cachoeira com seus mil e um laranjas, não tenho dúvida de que faz algum tempo que estamos todos comendo esses suspeitíssimos omeletes de ovos de camelo aqui, no Brasil.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 30/05/2012
Roberto: Perdão pela intimidade. Sou primo de Otávio Cabral, casado com sua filha. Sou daqui de Campos dos Goytacazes. Licenciado em História e pós-graduado em Assessoria de Comunicação. Meu falecido irmão Rubens morava no Condomínio Jardim Ubá. Sua esposa, Maria Regina, ainda mora lá. Gosto deste seu gosto pela terra brasileira, seus costumes e cheiros. Lembra Ariano Suassuna. Você e ele me dão a impressão de nostalgia do frescor da infância, seus rios, suas praias, seus picolés, expressões típicas e comidas caseiras. Tudo com muito perfume das primeiras emoções de toda ordem, para mim começando com as religiosas e as de que os seres humanos têm maldade no coração. Somos todos jarros remendados. É sempre um prazer ler e ouvir vc. Aproveito para tomar a liberdade de lhe informar, salvo engano, que omelete é feminino: semmpre como uma omelete, e não um omelete. Mesmo que seja de ovos de avestruz, ok? Abraço forte. Vida, fé e força, com muita saúde. Do apreciador Renato