Após contados os votos e declarados os vencedores, começou a etapa de formação das equipes que irão comandar o País no futuro próximo. Cumprindo promessas de campanha, o presidente eleito Jair Bolsonaro tem escolhido nomes para a equipe econômica que indicam uma continuidade e aprofundamento das reformas implementadas pelo atual governo. O resultado é um relativo otimismo entre os analistas quanto ao desempenho da economia brasileira no futuro próximo.
Entretanto, este cenário poderá se ver ameaçado por um cenário externo que está se desenhando bastante delicado. Em especial, os efeitos da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China são preocupantes. Estados Unidos e China são as duas maiores economias do mundo e a China é nosso maior parceiro comercial.
Existem dois efeitos particularmente perversos: pressão inflacionária dos Estados Unidos e desaceleração do crescimento chinês.
A introdução de tarifas às exportações tanto nos Estados Unidos quanto na China aumenta os custos de produção e gera pressão sobre os preços dos bens comerciáveis, ou seja, bens que são produzidos num país e podem ser consumidos em qualquer outro, via exportações. Esse choque exógeno poderá ficar restrito aos preços diretamente afetados pelas tarifas, sem gerar inflação generalizada.
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Entretanto, numa economia com políticas monetária e fiscal expansionistas e com taxa de desemprego muito baixa, como é atualmente a economia norte-americana, esse aumento dos preços dos bens comerciáveis poderá se espalhar para os preços dos bens não comerciáveis, como os serviços, por meio de pressão sobre os salários nominais. O resultado será mais inflação.
Com mais inflação no horizonte, o Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) será forçado a aumentar mais rapidamente as taxas de juros e reduzir a liquidez de forma mais intensa, atraindo parte relevante da oferta mundial de capitais e pressionando a taxa de câmbio nos países emergentes, inclusive no Brasil.
Ao contrário dos Estados Unidos, a China é bastante dependente do comércio internacional. Uma parte significativa da produção da economia chinesa é direcionada para o mercado internacional e os preços externos dos bens são uma importante referência para os preços internos, que são, em grande parte, controlados pelo governo. Por outro lado, como os Estados Unidos são o maior mercado consumidor de produtos chineses, um dos possíveis efeitos da introdução, pelos Estados Unidos, de tarifas às exportações deste país é o deslocamento de empresas hoje localizadas na China para outros países emergentes, para fugir das tarifas.
Tanto a desaceleração da economia quanto a saída de capitais já estão ocorrendo. O governo tem adotado políticas monetária, fiscal e creditícia expansionistas, com o objetivo de evitar que a desaceleração se acentue, mas não tem sido capaz de frear a saída de capitais. Por outro lado, essas políticas têm limites claros, principalmente numa economia já bastante endividada.
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Uma desaceleração mais acentuada da economia chinesa reduz a demanda e os preços dos produtos exportados pelo Brasil (minério de ferro, soja, carne, etc.), aumenta o déficit em conta corrente e pressiona a taxa de câmbio.
A economia brasileira deu, ao longo de 2018, sinais concretos de resiliência a choques exógenos deste tipo. Para que tal cenário se mantenha, é fundamental aprovar uma reforma da Previdência que convença os investidores de que a Emenda Constitucional n.º 95 é viável e, portanto, que a trajetória da dívida pública brasileira é sustentável. Neste caso, se o cenário descrito acima se materializar, 2019 poderá se constituir num teste definitivo dessa resiliência.
Fonte: “Estadão”, 24/11/2018