“Eu juro pela minha vida e pelo meu amor por ela que nunca irei viver em função de outro homem, nem vou pedir a outro homem que viva em função de mim.” (John Galt em Atlas Shrugged, de Ayn Rand)
À primeira vista, o título do artigo parece um paradoxo. Afinal, a resposta está na própria pergunta: a sua vida só pode ser… sua! No entanto, a quantidade de pessoas que deixa de viver a vida como se ela realmente lhe pertencesse é enorme. São aqueles que Ayn Rand chamou de indivíduos de “segunda mão”, que estão sempre agindo em função dos outros, preocupados apenas em seguir um rebanho, preencher um estereótipo socialmente definido. O filme Foi Apenas um Sonho [Revolutionary Road], com Leonardo diCaprio e Kate Winslet, trata exatamente deste tema*. Considero um filme imperdível.
Frank e April, os personagens de Leonardo e Kate, representam um casal jovem, que sempre se considerou especial, diferente, disposto a levar uma vida calcada em ideais de liberdade, dois indivíduos independentes dos limites sociais de sua época. Ao se mudarem para um subúrbio, os Wheeler se tornam exatamente o que não desejavam. Ele, um homem preso a uma rotina maçante num trabalho que não suporta, seguindo os passos do pai que ele abominava; ela, uma atriz fracassada, mãe de família e dona-de-casa. A chama da vida, a paixão pela liberdade de experimentar e viver vai se perdendo aos poucos, até eles virarem uma família com sonhos despedaçados, como outra qualquer. A mediocridade vai dragando cada vez mais a energia deles, que vão definhando numa rotina massacrante.
Determinada a fugir dessa prisão, April resolve propor uma mudança radical: o casal e seus dois filhos partiriam para Paris, sem planos rígidos. Ela trabalharia pelos dois no começo (lembrando que o filme se passa na década de 1950), preservando tempo livre para que ele pudesse descobrir seus verdadeiros sonhos e aptidões. Ele aceita, e no momento em que decide ir embora, já se sente mais livre, a ponto de finalmente ter uma idéia produtiva no trabalho. A inveja da vizinha é incontrolável. Representando todas as pessoas covardes que odeiam aqueles seres independentes e corajosos, ela entra em desespero com a notícia. A máscara da hipocrisia tenta esconder o máximo possível seus verdadeiros sentimentos. Ela demonstra preocupações “práticas”, sempre levantando os riscos e até mesmo o caráter infantil da decisão. No fundo, um ressentimento com o fato de que nem todos aceitam os papéis medíocres definidos pela sociedade.
Um personagem se destaca no filme: o filho de outra vizinha, que acabara de sair de um sanatório. O louco, sem freios na língua, acaba sendo o único a dizer a verdade. Ele percebe as verdadeiras motivações por trás das máscaras sociais. Sua mãe é o ícone perfeito do vazio da vida fútil vivida pela maioria. Quando os planos do casal Wheeler vão por água abaixo, ele é direto ao acusar a covardia de Frank, cuja revolta incontrolável acusa o golpe: a verdade dói. A maioria prefere viver de ilusões, de auto-enganos, racionalizando suas emoções de medo, e o mensageiro da verdade acaba sempre odiado. No caso, teve que ser um “maluco” para enxergar além dos papéis representados para a sociedade. A derrocada do projeto de viagem do casal é um alívio indescritível para os membros do rebanho. Afinal, eles não são tão diferentes e especiais assim. Eles são apenas “gente como a gente”.
Não pretendo estragar outros detalhes importantes do filme para quem ainda não o assistiu, mas adianto que são muitos pontos ainda. A essência do recado, entretanto, já ficou clara: há aqueles poucos espíritos livres que assumem as rédeas de suas vidas, que vivem para realizar seus mais importantes desejos e ambições, para atingir seu potencial como ser humano, e há aqueles que sucumbem ao medo, que vivem como marionetes da sociedade, que precisam de aprovação dos outros para tudo, que levam uma vida repleta de hipocrisia. Infelizmente, esses são a grande maioria. São como insetos gregários que gostariam de viver numa enorme colônia de seres iguais, pois assim as diferenças não machucariam tanto: se o sucesso individual não existe, então o fracasso também não. São os que abandonaram os sonhos e ideais, para representarem os papéis de pessoas “práticas” que consideram infantis tais objetivos. Em suma, são aqueles que não podem responder com convicção à pergunta no título desse artigo: “A minha vida é, de fato, minha!”
* Nas palavras de Ayn Rand, creio que consta a melhor síntese para este tema: “I believe – and I want to gather all the facts to illustrate this – that the worst curse on mankind is the ability to consider ideals as something quite abstract and detached from one`s everyday life. The ability of living and thinking quite differently, in other words eliminating thinking from your actual life. This applied not to deliberate and conscious hypocrites, but to those more dangerous and hopeless ones who, alone with themselves and to themselves, tolerate a complete break between their convictions and their lives, and still believe that they have convictions. To them – either their ideals or their lives are worthless – and usually both.”
Rodrigo,
Gostaria de reforçar a dica implícita em alguns de seus artigos (conheçam Ayn Rand) e também deixar uma colaboração para seu trabalho.
A vitalidade de Atlas Shrugged e as posteriores não-ficções de Ayn Rand é também encontrada em Aristóteles – em Ética a Nicômaco – que apresenta o homem de forma precisa, elementar, didática, com uma escrita filosófica mais científica que lírica.
Não é coincidência. Ayn Rand dizia que sua única influência foi Aristóteles.
É Aristóteles quem primeiro publica que o homem, além de possuir acesso à razão, por meio desta melhor persegue seus fins. Que a felicidade é consequência da excelência na perseguição destes fins. Que estes fins estão a serem descobertos pelo próprio homem. E a antiga redundância que diz que é dos princípios que chegaremos aos fins.
Penso que ler Aristóteles é ler muitos dos argumentos liberais e capitalistas ainda em forma de grão.