Confusões contemporâneas: o santo Chávez, o demônio Thatcher, a dessacralização do papado e a pisada no tomate da inflação
O conhecimento humano é limitado, especializado e compreendido em profundidade por relativamente poucos. Quantos de nós saberíamos construir televisões, aviões, tablets e outros instrumentos do conhecimento aplicado que desfrutamos? A nossa ignorância é, por sua vez, ilimitada, abrangente e distribuída entre todos. Só a cooperação e a divisão do trabalho permitem o milagre de uma formidável marcha do progresso no lombo de bestas míopes que somos. Essa imensa ignorância lança suas tintas sobre a cena contemporânea.
O enterro de um homem que ressuscitou uma ideologia funesta em nome de outro defunto, o “socialismo bolivariano”, é transformado em cerimônia de beatificação por sua obra de mergulhar o país em um histórico cul-de-sac . Agora, a morte da mulher que resgatou do afogamento uma ilha da fantasia do bem-estar social, submersa nas águas do intervencionismo, do sindicalismo, do populismo e do socialismo, é celebrada por ressentidos. Quando o obsoleto trabalhismo inglês já afundara a ilha décadas antes da Europa continental, que sofre hoje dos mesmos excessos.
A beatificação do “socialista bolivariano” e a demonização da “liberal conservadora” – designação política de uma impossibilidade conceitual – contrastam com a recente dessacralização do papado. Sim, para aumentar a confusão, o representante de Deus na Terra, em sua santa modéstia, secularizou-se e aposentou-se. Um sentimento religioso invade a política, fabricando santos e demônios, enquanto a dimensão humana de um Papa surpreende a religiosidade.
Enquanto isso, prossegue em terras brasileiras a saga dos sociais-democratas em sua longa e desventurada batalha contra a inflação. São duas décadas e meia em um dilacerante combate. Sim, é verdade que, por equívocos primários, a inflação chegou a 5.000% ao ano. Mas persistem nossos esclarecidos dirigentes em sua histórica determinação de combater a inflação sem o controle dos gastos públicos, sem subir as taxas de juros e sem desacelerar a expansão do crédito. O combate indolor à inflação, a miragem da estabilidade de preços sem sacrifícios, ao sancionar o afrouxamento dos regimes fiscal e monetário, facilita a propagação dos aumentos generalizados de preços e a deterioração das expectativas inflacionárias. É quando se diz que, por ignorância, o governo está pisando no tomate no combate à inflação.
Fonte: O Globo, 15/04/2013
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