Não sei vocês, mas a minha vida nas redes sociais está cada dia mais infernal. A polarização não dá trégua. Para cada novo tema — que não dura mais do que três dias — uma torrente de textos para os dois lados. O tema da vez é a manifestação das “Diretas-Já” (ou seria “Volta Lula”?) no Rio. Foi sucesso ou fracasso? Ninguém sabe e todos têm certeza.
Não chegamos aos excessos partidários de nossos vizinhos hispânicos e nem somos como os EUA, em que a divisão é tão profunda que muitos eleitores nem sequer conhecem alguém do partido rival. Mas deu para sentir que o clima mudou e segue se acirrando.
Eu gostaria de ver o debate público sair do tribalismo e desconfio que não sou o único. É o que indica, por exemplo, a Diretoria de Análises de Políticas Públicas (DAPP) da FGV-SP: há um grande contingente de usuários de redes sociais (cerca de 32%) que compartilham temas políticos mas não se alinham a um dos dois lados. E isso para não falar daqueles que não discutem política nas redes. Nem só de eleição vive o homem.
O grosso da população brasileira não é ideológico e tem pouca fidelidade partidária. Por isso sempre escapamos de guerras civis e revoluções. Estamos é fartos dos políticos e partidos de sempre. A maioria não é socialista nem liberal. Quer, simplesmente, um Brasil que funcione.
Em outras palavras, quer o exato oposto do que temos: um Estado ingerente, corrupto e mandão, que escolhia campeões nacionais (Odebrecht, Grupo X, Oi, JBS) e os subsidiava com crédito barato e isenções fiscais, enquanto o resto vivia em um inferno fiscal, trabalhista e burocrático. Que fez obras faraônicas que destruíram a economia e o meio ambiente, mas na educação e no saneamento básico nem tocou. Quebrou gastando mal.
Para além das mistificações, o Estado é um prestador de serviços. Ele não precisa responder a nossos anseios existenciais; precisa fazer valer o dinheiro dos nossos impostos. E aqui há consenso: recebemos muito menos do que pagamos. O tamanho ideal do Estado é algo a se discutir; o indiscutível é que daria para fazer muito mais com o que se tem.
Para isso, temos que focar recursos na base de nossa pirâmide social e acabar com transferências de renda que beneficiam os mais ricos: bolsa empresário e isenções fiscais, funcionalismo público privilegiado, universidade de graça para os filhos da elite econômica etc.
Nossos impostos — mantendo a carga atual — poderiam ser mais simples (o Brasil é o recordista mundial no tempo que uma empresa gasta para calcular e pagar seus impostos) e mais bem distribuídos: não é aceitável que os ricos paguem uma parcela menor da sua renda em impostos do que os pobres. Corrigir isso por si só já traria ganhos sociais e econômicos.
Ao mesmo tempo, é preciso crescer. E, para isso, a economia precisa ser mais dinâmica e aberta ao mundo, a propriedade privada mais bem assegurada e a criação de valor menos sabotada por regulamentações e incerteza jurídica.
Um Estado eficiente, que foque recursos em quem precisa e que mantenha um ambiente livre para a geração de valor, reconhecendo a primazia dos indivíduos na construção de seu próprio destino e fazendo jus, finalmente, ao caráter empreendedor de nossa população. Aí sim teremos um Brasil maior do que coxinhas e petralhas.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 30 de maio de 2017.
Excelente texto. Só uma observação: você acaba por sintetizar o desejo de um dos lados = estado eficiente e menos interventor. Parabéns!