Desde a sua instituição, através do Decreto 8.243, assinado pela presidente Dilma Rousseff, em 23 de maio deste ano, a Política Nacional de Participação Social (PNPS) e o Sistema Nacional de Participação Social (SNPS) têm sido alvos de duras críticas de cientistas políticos e juristas na imprensa. Alguns alegam que a medida é inconstitucional. Outros chamam atenção para a tentativa de esvaziamento do Poder Legislativo pelo Executivo. A maioria parece concordar que os “conselhos populares” ameaçam o funcionamento da democracia e aproximam o Brasil dos governos de inspiração bolivariana com os da Venezuela, da Bolívia e do Equador.
Leôncio Martins Rodrigues Netto, professor titular aposentado do departamento de Ciência Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e especialista do Instituto Millenium, analisa os pontos mais polêmicos do decreto presidencial, como o enfraquecimento do Parlamento e do sistema democrático e a falta de clareza sobre a distribuição e definição dos líderes dos conselhos. Leia a entrevista:
Instituto Millenium: A Política Nacional de Participação Social (PNPS) enfraquece o Parlamento e a própria democracia representativa?
Leôncio Martins Rodrigues Netto: Se for efetivamente levada à prática, a instalação dos tais conselhos seguramente enfraquecerá — numa extensão que não dá ainda para prever — o poder do Parlamento. Na realidade, não só o Parlamento, mas todos os outros órgãos legislativos e também executivos, estaduais, regionais, municipais e distritais, ou seja, todo o funcionamento do sistema administrativo brasileiro. A intenção está explicitada já no Artigo 1º do Decreto 8.243: “fortalecer (…) a atuação conjunta entre a administração pública federal e a sociedade civil” – sociedade civil, no caso, entendida como “o cidadão, os coletivos (sic), os movimentos sociais institucionalizados ou não institucionalizados (sic)”. Os representantes, nos conselhos, deverão ser “eleitos ou indicados pela sociedade civil preferentemente de forma paritária em relação aos representantes governamentais”. A implementação do programa ficará a cargo da Secretaria Geral da Presidência da República, secretaria que concentrará todo poder. Uma vez que é o presidente (ou a presidente) que indicaria o Secretário Geral, a Presidência da República enfeixará todo o poder numa escala só encontrada em regimes autoritários.
Não é difícil perceber que outra de suas consequências será o aumento da burocracia pública e dos gastos governamentais. Aliás, segundo a mídia já noticiou, o Secretário Geral já cogitaria de novo decreto destinado à criação de um fundo para custear o funcionamento dos conselhos populares. Como de hábito, não se sabe quanto e de onde sairão os recursos.
Imil: Nos sistemas democráticos o Congresso é a instituição que representa a sociedade. Os conselhos populares se sobrepõem a uma estrutura já existente? Há um conflito de funções?
Leôncio: Nas democracias representativas, cabe aos órgãos legislativos representar o povo, na realidade os eleitores. Mas a prática é mais complicada porque há a questão das minorias que devem ter seus direitos fundamentais respeitados. Além disso, outros requisitos devem ser atendidos: possibilidade de rotatividade no poder mediante eleições livres, de divulgação dos programas, Judiciário independente, liberdade de imprensa etc.
A dimensão de poder de cada conselho dependerá da área de atuação, ou mais exatamente, do segmento do aparelho de estado em que atuaria cada conselho popular. Mas não se pode saber exatamente quantos conselhos serão formados e suas relações com os órgãos do estado. Por exemplo: haveria um conselho popular para cada ministério ou vários conselhos para cada divisão de um ministério? Como fica a autoridade de cada ministro ante o conselho popular (do ministério?)? E nas empresas estatais?
Imil: O governo alega que a medida amplia a participação da sociedade na política, mas não deixa claro como os grupos se organizarão para atuar na prática. Existe a possibilidade do espaço ser ocupado por líderes de movimentos sociais ligados ao governo, aos moldes do que acontece nos países com orientação bolivariana?
Leôncio: Certamente. Os conselhos foram, de fato, criados para fazer das lideranças “populares” participantes da administração, quer dizer, sujeitar os diferentes setores da administração e da sociedade, na aparência, à “pressão das massas”, na realidade, à ação das minorias militantes sob controle, é claro, do PT, mais especificamente, de seu secretário-geral, que deverá acompanhar a implementação da Política Nacional de Participação Social “nos órgãos e entidades da administração pública federal direta e indireta”.
Em termos das relações de poder, o decreto visa à criação (ou fortalecimento), por decreto, de uma nova elite política recrutada das classes populares e médias. De um ângulo funcional, provavelmente, os tais conselhos populares ajudariam a emperrar ainda mais o já moroso e emperrado funcionamento da máquina estatal do país; do ângulo político-partidário favoreceriam — e muito – os “partidos de militância”, como o PT e o PCdoB, em detrimento dos “partidos eleitorais”.
Mas essa rápida interpretação opera no nível da aparência, consistindo em tomar a sério os objetivos proclamados do projeto: democratizar a administração pública pela extensão da participação popular. Mas é possível outra avaliação que atenta suas consequências políticas mais amplas.
Os conselhos, se levados à prática na extensão proposta no Decreto 8.243, poderiam criar uma forma de administração paralela, gerando uma situação de duplo poder, como na Rússia de 1917. Nesse caso, os conselhos populares seriam algo transitório, como aconteceu com os soviétes, na Rússia czarista. Eles preparariam a tomada do poder que seria exercido pelos conselhos operários e camponeses. Ironicamente, nenhum operário ou camponês foi ao poder. O soviéte entregou todo poder ao Partido Comunista, quer dizer, ao seu birô político. Mas, no momento, como a situação ainda teria de ser criada, o 8.243 deve servir, mais modestamente, para aumentar o poder do PT e acuar os demais partidos.
Acho que primeiro precisaria nos ensinar o que e democracia,estado de direito e constituiçao,pois a nossa democracia e semi direta com um congresso pifio, cheio de lobies, entao que venha esses conselhos,