Laura Carvalho, na quinta-feira (5), sugeriu que não há evidências de que a aceleração do crescimento nos anos 2000 deveu-se à maturação das reformas liberalizantes iniciadas nos anos 90, que terminaram depois da saída do governo de Antonio Palocci, ministro da Fazenda do primeiro mandato de Lula.
Três são as dificuldades apontadas por Laura. A primeira é que levou muito tempo para que o longo ciclo de liberalização aparecesse no crescimento econômico.
A segunda é que o crescimento se acelerou ainda mais em seguida à mudança na formulação da política econômica, com a troca de guarda na Fazenda no início de 2006. E a terceira é que os efeitos negativos da alteração do regime de política econômica em 2006 sobre o desempenho da economia tiveram defasagem muito menor que as políticas liberalizantes.
Os seus questionamentos são válidos. Há limites à nossa capacidade de conhecer, principalmente em ciência social. Além disso, é difícil separar movimentos causados pelos nossos fundamentos domésticos daqueles decorrentes da dinâmica internacional.
A passagem do tempo, porém, reduz a incerteza. Parece-me ser quase consensual, por exemplo, a tese de que o milagre brasileiro é tributário das reformas liberalizantes do governo Castelo Branco.
Laura deveria acompanhar a pesquisa acadêmica sobre o impacto de várias reformas. João Manoel Pinho de Melo, Vinícius Carrasco, Juliano Assunção, Jacob Ponticelli e seus coautores publicaram diversos artigos nas mais respeitadas revistas acadêmicas internacionais mostrando o impacto das reformas no primeiro governo Lula sobre a produtividade de diversos setores.
Além disso, ao contrário do que afirma Laura, não há evidência de que o segundo mandato de Lula tenha implementado uma política de reajuste do salário mínimo mais ousada do que a de FHC ou a do primeiro governo do presidente petista.
Por fim, os trabalhos de João Manoel e Vinícius Carrasco mostram que o desempenho do Brasil no governo Lula foi inferior em diversos aspectos ao observado em países semelhantes no mesmo período. O crescimento no governo FHC, por outro lado, foi similar ao dos países da América Latina nos anos 1990.
Talvez melhor do que tentar convencer Laura seja compartilhar com o leitor a forma pela qual trato os questionamentos por ela levantados, que, como já mencionei, fazem todo o sentido.
A evolução da economia é mais bem analisada com base nas taxas médias reais anualizadas de crescimento em quadriênios. O pico de 4,7% ocorreu no quadriênio terminado em 2007. Posteriormente, inicia-se lenta desaceleração até 2,3% ao ano no quadriênio terminado em 2014. Ou seja, a desaceleração iniciou-se pouco mais de dois anos após a troca de guarda na Fazenda.
Reformas microeconômicas usualmente não geram impactos sobre o desempenho enquanto persistir desequilíbrio macroeconômico. Foi assim com as políticas liberalizantes do governo ditatorial de Pinochet no Chile e com Menem na Argentina. Em ambos os casos, o regime cambial —e, na Argentina, também o problema fiscal— impediu a decolagem da economia.
Com relação à assimetria —leva mais tempo para aparecerem os efeitos de boas políticas— é uma lei da vida. Vale para a díade construção e demolição, seja para uma obra de construção civil, seja para reputação, seja, ainda, para a política econômica e os seus impactos sobre o crescimento e a geração de emprego. Construir é mais difícil do que destruir.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 08/10/2017
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