O déficit da Previdência é um problema que pesa mais sobre o caixa dos estados do que o da União. Projeção feita pelo economista especializado em contas públicas Raul Velloso mostra que, no fim de 2017, a soma dos déficits de todas as 27 unidades da federação pelos próximos 70 anos chegava a R$ 1,9 trilhão, valor 3,4 vezes maior que a Receita Corrente Líquida (RCL, a receita disponível) desses entes. Já o da União alcançaria R$ 1,78 trilhão ou 2,5 vezes a RCL.
Os estados enfrentam esse problema devido a um conjunto de fatores. Entre os principais, contribuições desproporcionais ao valor do benefício, aposentadorias precoces, regimes especiais para professores e policiais, planos de carreira plenos de privilégios, má gestão dos recursos públicos e permissividade maior concedida pela própria Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
– A adesão automática dos estados à reforma da Previdência é imprescindível, porque o problema deles é mais grave que o da União. A reforma tem de abarcar os regimes especiais de policiais, militares e professores. Imagina deixar os estados para depois e ter de fazer 27 discussões diferentes — diz Ana Carla Abrão, sócia da consultoria Oliver Wyman e ex-secretária de Fazenda de Goiás.
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Para cinco estados (RN, SC, RS, MG e SE) mais o Distrito Federal, o esforço para zerar esse passivo e garantir a sustentabilidade do pagamento das aposentadorias dos servidores terá de ser ainda maior. A proporção de seus déficits é maior ou igual a 4 vezes a RCL.
Esse cálculo considera o chamado passivo atuarial. Este é a soma de todos os déficits anuais projetados para os próximos 70 anos, descontando a inflação e trazendo os fluxos futuros a valor presente. Esse dado oferece um quadro mais preciso da situação das contas públicas, já que aposentadorias e pensões são pagamentos de longo prazo. Ou seja, em um horizonte maior, as despesas com benefícios previdenciários superam a arrecadação dos estados.
Sem ‘receitas bobocas’
De acordo com Bráulio Borges, especialista em finanças públicas do Ibre/FGV, a própria LRF, implementada no ano 2000, contribui para esse endividamento maior ao permitir que os estados gastem mais que a União com o pagamento do funcionalismo. O Executivo pode destinar até 40% da RCL para essa despesa. Os estados, 60%. Além disso, ressalta Borges, governadores ignoraram o fato de que as receitas com o pagamento de royalties pela exploração de minério e petróleo são extraordinárias. Nos anos de boom dos preços dessas commodities, especialmente 2013 e 2014, eles usaram os recursos para conceder reajustes expressivos aos servidores e aumentar seus quadros.
– As receitas com royalties, de petróleo e mineração, são altamente voláteis, e os estados ficam só com 12% delas. A maior parte vai para os municípios. Além disso, as despesas com o pagamento de um servidor duram ao menos 60 anos. São recursos que têm de ser usados para investimentos pontuais, em infraestrutura. Não para custear despesas que se alongam por décadas – critica Borges.
Velloso argumenta que, para zerar esse déficit, os estados precisam combinar a reforma da Previdência com o aumento de receitas:
– Não podem ser receitas bobocas nem mais impostos, pois nossa carga tributária já é muito elevada. Mas podem ser receitas de vendas de ativos ou de gestão de ativos ou outros recebíveis.
Ele dá como exemplo um tipo de operação já realizada pelo Estado do Rio, cujo passivo atuarial foi estimado pelo economista em torno de R$ 170,35 bilhões, ou 3,4 vezes a RCL em 2017:
– A reforma da Previdência tem um efeito mais a médio e longo prazos. Então, lá na frente, a receita necessária para cobrir essa despesa tende a ser menor. Se eu pegar esse pedaço de receita que vai sobrar no futuro, proveniente de royalties, e antecipá-la no mercado financeiro, posso equacionar esse passivo. Os bancos sabem que essa receita é garantida e vão financiar.
Os especialistas também dizem ser urgente, para frear o crescimento do déficit, aumentar a alíquota de contribuição previdenciária do funcionalismo, que gira em torno de 11% nos estados. Já no Rio de Janeiro, ela passou a 14% em abril do ano passado.
Fonte: “O Globo”