Arthur Lula Mota
Ok, os juros elevados são um problema. Mas eles sempre foram UM problema, de modo que hoje eles não podem ser culpados de O problema.
Espero que tenha entendido este trocadilho. É de suma importância você ter isto claro. Leia com tempo este texto e reflita.
Sempre se reclamou dos juros, mas conseguíamos viver “pacificamente” com ele na época de elevadas receitas para o governo, dado o ciclo econômico expansivo e o crédito fácil. Aparentemente, agora que a festa acabou ele voltou a ser O vilão. Mas ele nunca deixou de ser UM vilão.
O vilão das finanças públicas atuais é o crescimento dos gastos, de forma contínua e resiliente, mesmo após o das receitas. Vem comigo.
O resultado nominal é composto pelo resultado primário menos os gastos com juros. De outra forma, o resultado primário consiste no resultado nominal acrescido dos juros:
Então, Resultado Nominal = Resultado Primário – Juros
O resultado primário nos mostra quanto o Estado consegue saldar suas contas, do “dia a dia”, desconsiderando a pesada conta dos juros.
Abaixo, podemos visualizar a trajetória do Resultado Nominal, que cresceu quase 4 vezes de meados de 2014 até o fim de 2015, subindo de R$ 150 bilhões para superar os R$ 600 bilhões em menos de dois anos.
Os mais aventureiros de antemão já bradaram: “São os juros!”; “É a Selic, que vem subindo”.
Sim e não.
De fato, a alta da Selic prejudica a atividade econômica, frustrando receitas, inibindo investimento e coisa e tal.
A questão é que, ao contrário do que se pensa, mesmo com a elevação da Selic no recente aperto monetário, a participação dos Juros na composição do Resultado Nominal vem caindo.
Ela, que já atingiu 400% do resultado nominal em 2008 e 300% em 2011, encerrou 2015 por volta de 80%. Isto ocorre por que o gasto com juros era muito alto, superando em muito o resultado primário, de modo que seu resíduo (o resultado nominal) também será inferior. Volte a fórmula citada lá a cima e ficara claro a matemática.
Em outras palavras, o aumento da taxa de juros não tem feito a conta dos juros pressionarem mais do que antes o déficit público.
O gráfico abaixo (que mais parece uma grande metrópole e sua sombra na água) mostra que é a piora do resultado primário que tem agravado o resultado nominal. No primeiro gráfico, o salto para R$ 600 bilhões reflete forte aumento dos gatos correntes do governo, principalmente a partir de 2014.
Agora, prepare-se. Eu vou te induzir ao erro.
Qual é, pra você, o grande vilão neste gráfico que elevou o déficit nominal em relação ao PIB?
Se você não prestou atenção na parte inicial, então prontamente dirá: os juros. Mas é claro, saltaram de 4,68 % do PIB em 2013 para 8,46% do PIB em 2015, ou seja, subiu 3,78 p.p., como não seriam os juros?
É que você ignora o resultado primário. Este, que era superavitário em 1,72% do PIB no ano de 2013, caiu para um significativo déficit de 1,88% do PIB em 2015. Ou seja, caiu 3,60 p.p. (+1,72 – 1,88 = -3,60)
Entenda: a gravidade da piora do resultado primário, que sempre está escancarado na mídia, não é à toa. Ela diz que você não consegue saldar suas contas do cotidiano, desde o papel higiênico da repartição pública até os gastos com construção de alguma coisa em algum lugar desse Brasil. Ai que mora o perigo.
Quando o investidor olha pro país, ele olha para as contas do país e quer pensar: bom, ele tem uma conta com juros bem alta, o que é perigoso, mas pelo menos está conseguindo economizar nas contas do dia a dia, de forma que sobra um “resto” para me pagar.
Hoje, ele olha e pensa: eles estão com dificuldade de pagar até a conta de luz, quanto mais o que eu emprestaria para eles.
A consequência disso são inúmeras, dentre elas o aumento do risco e gerando, portanto, , elevação da inflação, elevação da taxa de juros, desaceleração da economia, perda de empregos, etc etc etc.
Por fim, voltando ao trocadilho do início. Os juros altos são sim um vilão, mas não O vilão, cargo este, que, na minha opinião, deve ser dado à forte elevação das despesas públicas desvinculadas do ciclo econômico. Tal fato, que faz com que os gastos subam mesmo em época de frustração de receita, defendido pela Constituição, é a pedra fundamental da crise brasileira de curto prazo.
Fonte: “Terraço econômico”, 29 de fevereiro de 2016.
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