* Por Pedro Ferreira e Renato Fragelli
Entre 1945 e 1980, a renda per capita brasileira cresceu 3,5% ao ano. Entre 1980 e 2017, em contraste, a taxa média de crescimento da renda per capita brasileira foi de apenas 0,7% ao ano. Trata-se de quase um décimo da taxa observada na China no mesmo período.
Uma constatação incômoda, mas que deveria suscitar reflexões desapaixonadas, é o fato de que o longo período de semiestagnação descrito acima começou logo após o início do processo de redemocratização, marcado pela Lei da Anistia de 1979. Já em 1980 a inflação iniciou a transição para o nível de três dígitos anuais que só seria rompido em 1994, com o Plano Real. Em quase quatro décadas, o Brasil avançou em muitas dimensões. Tornou-se uma democracia plena, domou o crônico processo inflacionário e melhorou vários indicadores sociais, como mortalidade infantil, pobreza e nossa péssima distribuição de renda. Mas o país não cresceu, num período em que outros países cresceram muito.
Saudosistas dos anos dourados de JK, de crescimento acelerado acompanhado de inflação crescente, assim como dos anos 1968-1974 do Milagre, atribuem o sucesso daqueles anos à atuação direta do Estado promotor do crescimento. O fascínio com o modelo nacional-desenvolvimentista daqueles anos foi ressuscitado a partir de 2008, pela Nova Matriz Econômica, cujo custo se estima a seguir. Admitindo-se que o crescimento do PIB em 2018 seja 1,5%, a queda do PIB ao longo dos cinco anos compreendidos entre 2014 e 2018 alcançará 4%. Supondo-se uma estimativa (conservadora) de 2,4% ao ano para a taxa de crescimento do produto de pleno emprego brasileiro, durante o mesmo período, conclui-se que o PIB deveria ter crescido 12% naqueles cinco anos. Conclui-se que o experimento da Nova Matriz custou a bagatela de 16% (= 4% + 12%) do PIB. Mesmo que o país retome o crescimento sustentável, a renda futura permanecerá eternamente 16% abaixo do que poderia ter sido se os erros não tivessem sido cometidos.
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Às vésperas do início de um novo governo, o país encontra-se estagnado, mas em condições de iniciar uma sólida retomada, desde que faça o dever de casa. A solução dos problemas econômicos brasileiros é, paradoxalmente, muito fácil e imensamente difícil. É fácil tecnicamente, porque há tantas distorções – as conhecidas jabuticabas – só encontradas por aqui, que bastaria copiar o que funciona bem em outros países, fazendo-se algumas adaptações ao caso tupiniquim, para se eliminar boa partes dos entraves ao desenvolvimento. Mas é muito difícil politicamente, pois num país presidencialista com três dezenas de partidos representados no Congresso, o maior deles com apenas 12% dos deputados na Câmara, a aprovação de decisões politicamente sensíveis no Congresso torna-se tarefa muito complexa.
Depois do fiasco da Nova Matriz Econômica, há um relativo consenso sobre quais são as reformas principais de que o país precisa para retomar o crescimento. Entre os temas de caráter macroeconômico, destacam-se: reforma da previdência necessária para alinhar a seguridade social brasileira àquilo que se observa em outros países; independência operacional do Banco Central; e uma reforma tributária que simplifique a balbúrdia de impostos e isenções atual.
Dentre os temas de caráter microeconômico, a melhoria da eficiência geral da economia requer maior segurança jurídica para investimentos privados de longo prazo, maior abertura da economia, estímulo à inovação, entre outras medidas. Correndo em um campo próprio, mas de fundamental importância para o crescimento e o bem-estar da população, melhoria na qualidade da educação e maior investimento em educação básica e pré-escolar, entre outras medidas da área.
Muitas das reformas acima já foram tentadas no passado, mas encontraram acirrada resistência de grupos de interesse organizados. Há Estados que rejeitam uma reforma tributária que elimine a tributação na origem, indústrias que resistem à abertura da economia, servidores que não querem um regime previdenciário igual ao dos demais cidadãos, e assim por diante. A democracia brasileira não tem conseguido tomar decisões que ferem interesses de grupos organizados, prejudicando o bem estar de uma maioria difusa.
A reforma da previdência, por afetar diretamente as expectativas de direito de todos os trabalhadores – que são também eleitores – é aquela que sofrerá maior resistência à sua aprovação. Sem minorar a importância das demais reformas, é necessário ter claro que a previdência é a mais importante das reformas. A primeira reforma da previdência elaborada após a Constituinte foi proposta durante o governo Collor, tendo-se passado mais de um quarto de século. Nesse período, ocorreram algumas reformas parciais, mas nenhuma delas atingiu as principais jabuticabas – como aposentadorias precoces que beneficiam os mais ricos, a abissal diferenciação entre direitos de servidores e dos demais cidadãos, para citar apenas duas.
Tendo adiado a decisão por tanto tempo, o envelhecimento da população e a correção real do salário mínimo em 150% desde o Plano Real elevaram o desequilíbrio previdenciário ao nível de catástrofe iminente. A democracia brasileira terá que enfrentá-lo agora. A alternativa é a continuidade da estagnação, na melhor das hipóteses, ou em um quadro mais pessimista, recessão, inflação e crise social.
Fonte: “Valor Econômico”, 23/11/2018