As bolsas celebram em todo o mundo o anúncio de um esforço coordenado dos bancos centrais para garantir o abastecimento de dólares e evitar uma crise de liquidez no sistema bancário europeu. Acredita-se que a Europa é um continente à deriva, o euro, uma moeda condenada, e que só mesmo as autoridades poderiam “resolver” os problemas atuais.
Ora, conhecemos todos o papel das próprias autoridades no agravamento da crise contemporânea. O dinheiro farto e barato do Fed contribuiu para as bolhas de crédito, de preço de imóveis, de derivativos financeiros e de mercados acionários. Sabemos também da manipulação cambial pelo banco central chinês, realimentando bolhas e destruindo empregos ocidentais. Bem como os abusos e a irresponsabilidade financeira praticados há décadas no paraíso perdido da social-democracia europeia.
O Banco Central Europeu (BCE) é criticado por não atuar de forma tão decisiva quanto o Fed. É verdade que impedir o agravamento de crises de liquidez seja uma função clássica dos bancos centrais. Mas são insensatas as doses cavalares de liquidez com juros baixos por muito tempo – quase uma década – como praticadas pelo Fed na tentativa de sustentar artificialmente o crescimento. Levaram ao estouro das bolhas, ao colapso das finanças públicas na operação de salvamento dos bancos, à descrença nas autoridades pela socialização das perdas, à radicalização entre republicanos e democratas e a uma taxa de desemprego permanentemente elevada, em torno de 9%. Enquanto isso, praticando austeridade fiscal e monetária, os alemães desfrutam a mais baixa taxa de desemprego dos últimos 20 anos.
Se a arquitetura de uma moeda supranacional como o euro realmente dificulta operações de “salvamento” a curto prazo, impede por outro lado a rota de escape inflacionária à disciplina fiscal de longo prazo. Não será mesmo fácil extrair recursos dos alemães por meio de impostos para financiar o “bem-estar” dos gregos. Trancados como agora na jaula do euro, os meridionais terão de apertar o cinto.
O desfecho mais provável: gradual afrouxamento de liquidez pelo BCE, longo e doloroso ajuste fiscal na Europa meridional, mais recursos para o FMI e para o Fundo Europeu de Estabilização (com emissão de eurobônus e participação decisiva da China no financiamento), a recapitalização do sistema bancário europeu e a reestruturação das dívidas soberanas. Déjà vu.
Fonte: O Globo, 20/09/2011
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