A CPI do Cachoeira vê-se agora diante de um desafio de sobrevivência: assumir o controle da investigação sobre os tentáculos do bicheiro nos negócios da empreiteira Delta espalhados pelo país. Depois que a Controladoria Geral da União (CGU) a declarou inidônea, impedindo-a de participar de qualquer licitação e de assinar novos contratos, não há mais razão – se é que havia antes – para que ela não se torne o centro das investigações.
Os parlamentares têm agora motivos suficientes para começar a trabalhar em casos concretos, deixando de lado as ridículas picuinhas partidárias que tomam conta do plenário desde que a CPMI foi instalada.
Estabelecer uma subcomissão para aprofundar as investigações sobre a Delta, conforme sugestão da senadora Kátia Abreu, é um caminho objetivo para que a CPMI não caia no vazio, transformando-se em mais uma comissão que não terá consequência prática.
Outro ponto importante seria a CPMI apresentar uma proposta de nova lei de licitações para as obras públicas, pois estamos vendo as dificuldades que existem para deslanchar as obras tão necessárias ao desenvolvimento do país, seja pela descoberta de corrupção, seja pela burocracia que emperra os cronogramas.
A convocação de dois dos governadores aparentemente mais envolvidos com o esquema corrupto que o bicheiro montou em clara associação com a empreiteira Delta tornou inevitável o que se viu ontem, um acordo tácito entre PT, PSDB e PMDB para que tanto o tucano Marconi Perillo quanto o petista Agnelo Queiroz passem pela arguição da CPI sem maiores problemas.
O PMDB fica de prontidão para que tudo saia como o combinado nos bastidores, garantindo que outro governador, o peemedebista Sérgio Cabral, do Rio, não precisará nem mesmo sentar no banco de testemunhas da CPMI.
O governador Marconi Perillo, o primeiro a ser interrogado, saiu-se bem da empreitada do ponto de vista pragmático da política, mesmo que algumas situações não tenham ficado esclarecidas devidamente, como ressaltou o líder do PSOL Chico Alencar, o único partido que parece disposto a investigar verdadeiramente as ligações de Cachoeira com os políticos.
A mais interessante de todas as contradições do governador tucano foi a origem dos cheques que diz ter recebido em pagamento por sua casa.
Ele se arrepende de não ter querido saber quem eram os signatários dos cheques, como se fosse um negociador inexperiente e não um político dos mais calejados na vida pública.
Sua atuação foi tão convincente quanto as palmas dos correligionários ao seu final, todos em busca de um clima que afastasse as ameaças de uma investigação mais aprofundada.
Para confirmar a velha lenda de que nunca se sabe como uma CPI vai terminar, a evidência de que havia uma combinação para não pressionar o governador de Goiás provocou uma situação imprevista difícil de superar e que pode ter desdobramentos hoje no depoimento do governador do Distrito Federal.
O que pode melar todos os acordos feitos por baixo do pano e dar à CPMI uma nova vida, mais compatível com a realidade com que estão tratando.
As críticas pela quase camaradagem com que o relator, o petista Odair Cunha, estava tratando o governador tucano fizeram com que ele se sentisse acuado por uma ala do PT que continua mais empenhada em pegar um tucano de bico grande do que os ladrões do dinheiro público do esquema mafioso de Cachoeira.
Odair Cunha, depois de uma saída estratégica que deve ter servido para que fosse pressionado nos bastidores, voltou a comandar a sessão com mais apetite e lançou no ar a possibilidade de quebrar os sigilos fiscal e bancário do governador Marconi Perillo.
Disfarçou o desejo com uma pergunta extemporânea que, se aceita pelo tucano, abriria uma brecha para a quebra dos sigilos sem que fosse preciso aprová-la em plenário.
A manobra foi denunciada pelos integrantes do PSDB, que imediatamente cobraram do relator uma atitude semelhante com relação ao governador petista do Distrito Federal.
É previsível que hoje o governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz, sofra um pouco no começo do interrogatório, para que se restabeleça o equilíbrio de forças políticas que levou ao acordo que ficou explícito na maior parte do depoimento de Perillo.
Restabelecido esse equilíbrio precário, que tem no PMDB seu fiador, a CPMI voltará à estaca zero, sem ter para onde correr, a não ser a empreiteira Delta.
Foi esse equilíbrio de forças, mesmo que na teoria a base aliada seja maioria esmagadora no plenário, que levou à quebra do sigilo nacional da Delta, que não interessava a ninguém, mas se impôs como uma necessidade para não desmoralizar de vez a CPMI.
A tentativa de limitar as investigações sobre a empreiteira Delta ao que acontecia na sua direção do Centro-Oeste já havia sido superada pela maioria da CPMI, que exigiu a quebra do sigilo da empreiteira em todo o país, pois não é plausível imaginar que os métodos adotados naquela região pela empreiteira nada tivessem a ver com a sua cultura nos demais estados do país onde funcionava.
A empreiteira agora considerada inidônea tinha obras em praticamente todas as unidades da Federação, sobretudo devido ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), e nada indica que seus métodos de ganhar licitações fossem diferentes em Goiás e no Rio de Janeiro, por exemplo.
Depois dessa decisão da CGU, não é possível fazer de conta que a relação profissional da Delta com políticos de vários partidos e em vários estados não mereça ser investigada.
Fonte: O Globo, 13/06/2012
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