O crescente interesse de empresas por abastecer suas operações com energia limpa deve ser o principal fator a guiar investimentos em geração no Brasil nos próximos anos, com a redução dos custos de construção de usinas eólicas e solares tornando esses negócios viáveis mesmo com a pandemia de coronavírus, disseram à Reuters diversos especialistas do setor.
O mercado de “contratos verdes de energia” no maior país da América Latina tem atraído pesos pesados da indústria global de eletricidade, como a francesa Engie e a norte-americana AES, além de fundos como o britânico Actis e até petroleiras, como a Shell, sem contar desenvolvedores de projetos que incluem a local Casa dos Ventos.
A forte movimentação dessas e outras companhias pelos contratos fechados diretamente junto a consumidores vem em meio a baixas expectativas quanto aos leilões geralmente promovidos pelo governo no Brasil para viabilizar novas usinas de geração.
De outro lado, desde gigantes como as mineradoras Anglo American e Vale até empresas não consideradas eletrointensivas, como a Tivit, de tecnologia, estão entre as que têm aproveitado a onda para fechar compras de longo prazo de energia renovável.
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“Temos visto uma aceleração forte dessas estruturações. É super tendência, está todo mundo olhando isso e buscando assinar esses contratos, tanto geradores quanto consumidores”, disse à Reuters a diretora da consultoria Clean Energy Latin America, Camila Ramos.
Embora o Brasil caminhe para uma crise econômica devido aos impactos da pandemia, que obrigou diversas empresas a fecharem por meses devido a medidas de isolamento adotadas para conter o vírus, o apetite de investidores e empresas pelo mercado de contratos corporativos de energia parece seguir intenso.
Há uma expectativa, inclusive, de que o mercado ganhe um impulso por renovadas preocupações com sustentabilidade no mundo pós-coronavírus, depois que a União Europeia aprovou um plano de recuperação da crise que prevê incentivos às energias limpas.
“Esse mercado deu uma parada com a pandemia a princípio, todo mundo ficou preocupado. Mas já estamos vendo uma volta, estamos trabalhando com vários possíveis projetos e contratos”, disse à Reuters o presidente da norte-americana AES para a América do Sul, Julian Nebreda.
“A pandemia também teve um efeito bastante grande sobre o conceito de sustentabilidade. As empresas estão hoje ainda mais preocupadas em ser sustentáveis do que antes”, acrescentou.
A unidade de geração da AES no Brasil, AES Tietê, fechou acordos recentes para fornecer energia eólica por 15 anos à Anglo American e para erguer um parque eólico em joint venture com a empresa do setor químico Unipar Carbocloro, que comprará a produção da usina por 20 anos.
Também de olho nesse nicho, a geradora solar Atlas, da britânica Actis, fechou acordos recentes de 15 anos para fornecer energia à Anglo American e à Dow com usinas que implantará em Minas Gerais e na Bahia.
“A pandemia, obviamente, afetou o mundo todo. Mas tem sido surpreendente para nós ver que, nos mercados da América Latina, o primeiro em que começamos a ter um renovado interesse por contratos de energia foi no Brasil. Começamos a ver uma retomada de processos para contratar energia limpa, em busca de energia renovável”, disse à Reuters o CEO da Atlas, Carlos Barreira.
As negociações são ajudadas pela queda de custo de usinas solares e eólicas e pelo cenário de preços no mercado de energia do Brasil, afetado pela menor demanda devido ao coronavírus.
Além disso, a maior parte das conversas é para contratos com fornecimento a partir de 2022 ou 2023, quando muitas empresas acreditam que terão superado o pior da crise da Covid-19.
“Só tivemos preços similares a esses, em termos reais, lá atrás em 2012 e depois da crise de 2016. É uma janela de oportunidade para o consumidor. Claro que o momento é de crise e incerteza, mas esses preços de longo prazo baixos podem ter um efeito positivo sobre a competitividade na indústria”, disse o diretor da consultoria em preços Dcide, Henrique Leme.
MERCADO EM ALTA
A movimentação no mercado de “contratos verdes” contrasta com incertezas sobre os leilões do governo para novos projetos de energia, antes vistos como principal caminho para que um investidor conseguisse colocar uma nova usina em pé no Brasil.
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Com impactos da crise do coronavírus sobre a demanda por energia, o Brasil decidiu em abril suspender por prazo indefinido todos leilões de 2020.
Com isso, investidores se viram ainda mais inclinados a buscar viabilizar empreendimentos no chamado mercado livre, onde grandes clientes como indústrias e empresas negociam diretamente com geradores e comercializadoras.
“O setor era muito pautado pelos leilões… como agora não tem o leilão, uma série de projetos que estão prontos tem como único caminho o mercado livre”, disse o sócio da plataforma de inteligência de mercado ePowerBay, Andre Felber.
A francesa Engie, por exemplo, que já viabilizou uma eólica na Bahia só com contratos privados, incluindo com o grupo de telecom Claro, agora desenvolve uma terceira fase do parque eólico, para o qual já tem buscado novos contratos.
A petroleira Shell também mira clientes no mercado livre para tirar do papel seus primeiros projetos de geração solar no Brasil, que poderiam começar a operar em 2023.
Entre brasileiras, a Casa dos Ventos tem construído usinas para atender clientes que vão desde a gigante Vale até empresas como a Tivit, de tecnologia, e o Grupo Moura, de baterias.
Também há movimentos de olho em consumidores ainda menores. A comercializadora de energia 2W avalia uma oferta pública de ações (IPO) para captar cerca de 1,5 bilhão de reais visando construir usinas eólicas e solares de olho na demanda de consumidores de pequeno e médio porte no mercado livre de energia.
Fonte: “Época Negócios”