A indignação passou a ocupar um papel central em nossas vidas. As pessoas não mais se contentam em discutir, criticar e discordar. Precisam deixar claro que estão indignadas.
A indignação é um sentimento de cólera ou raiva em relação a algo que se considera desprezível ou incorreto. Não se trata de um sentimento necessariamente ruim. Se não tivéssemos a capacidade de nos indignar, dificilmente nos mobilizaríamos para enfrentar a opressão ou a injustiça.
Sendo um sentimento intenso e avassalador, no entanto, a indignação reduz a nossa capacidade de enxergar as vicissitudes do outro, ter uma postura reflexiva e manter uma disposição para o diálogo e a autocontenção.
O indignado, por natureza, coloca-se numa posição moralmente superior aos demais. Repudia não apenas aqueles que praticam atos vistos como indignos como também despreza os que não partilham sua indignação, muitas vezes vistos como traidores. Isso gera intransigência, intolerância e extremismo, favorecendo a polarização e a tensão social.
A indignação não é, portanto, a melhor conselheira para a vida política. Essa exige tolerância, diálogo, moderação e, por que não dizer, composição de interesses. Quando o objeto da indignação é a própria política, e não apenas um comportamento político, temos um problema ainda maior.
Sendo o conflito inerente a qualquer sociedade humana —e especialmente agudo em sociedades plurais—, necessitamos de alguma ferramenta capaz de coordenar nossas diferenças, arbitrar conflitos e estabelecer regras de convivência, sem o que estaremos fadados à barbárie.
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Essa ferramenta é a política. Só ela permite transformar o inimigo em adversário, o outro em cidadão e com ele construir uma trajetória comum, pautada na tolerância e no respeito, ainda que mantida a divergência e a competição.
A política conduzida no âmbito da democracia constitucional tem como premissa fundamental que todas as pessoas têm igual valor. Dessa forma, seus interesses e valores devem ser levados em consideração na formação da vontade coletiva, sem permitir que os direitos de cada um possam ser atropelados pela vontade da maioria. A democracia constitucional é o mecanismo institucional que busca conciliar a vontade da maioria com os direitos e liberdades de cada um.
É contra essa concepção de política que muitos têm manifestado a sua indignação. Políticos populistas são especialistas em encarnar e explorar o sentimento de indignação da população. Quando as coisas não vão bem e o medo e a desesperança dominam, surge sempre um populista com soluções mágicas, disposto a acabar com “tudo que aí está”. Reforçam o sentimento de indignação e se projetam como únicos capazes de reestabelecer uma “ordem harmônica”. Os que não se alinham devem ser combatidos. Regras e instituições, moldadas para moderar o exercício do poder, devem ser destruídas.
É nesse contexto que devemos interpretar a indignação daqueles que foram às ruas pedir o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal. Estão indignados com a política e com o direito e, portanto, querem suprimi-los.
O Brasil tem desafios enormes como a desigualdade, a violência, o baixo crescimento, a falta de produtividade e o desemprego. Se quisermos superar esses verdadeiros problemas, precisamos substituir a indignação histriônica pela disposição prática em resolvê-los democraticamente.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 06/07/2019