Será que a conectividade instantânea das redes sociais está nos fazendo política e humanamente melhores? Estaremos a adquirir maior capacidade de ouvir uns aos outros, compreendendo diferenças, expondo opiniões pessoais com cordialidade e, fundamentalmente, criando um ambiente saudável para o entendimento e consensos civilizatórios mínimos? Ou será que a conectividade nos tem tornado impacientes, agressivos, intolerantes e autoritários? Embora nominalmente “sociais”, serão as redes e plataformas tecnológicas materialmente “antissociais”? E, fundamentalmente, será possível realizar a democracia entre hostilidades estúpidas e ofensas frenéticas entre grupos que se pensam donos da verdade?
As perguntas acima revelam importante paradoxo da contemporaneidade: a tecnologia revolucionou o mundo da comunicação e, ao mesmo tempo, involucionou nossa capacidade de compreensão das diferenças humanas. Sim, tudo está muito rápido, acessível e prático. O problema é que a vida vivida é complexa, exige reflexão superior e ações pautadas pelo imperativo da razão pensante.
Objetivamente, o impressionante processo de aceleração da realidade nos faz passar batido por sutis aspectos determinantes de alta relevância. No redemoinho dos dias, não mais dispomos de tempo para análises de detalhes, particularidades ou circunstâncias únicas; a pressa afoga o pensamento crítico superior. No sofisticado processo tecnológico de massificação cognitiva, estamos sendo gradualmente reduzidos a modelos de escolhas “all or nothing”, estimulando a platitude de polaridades rasas e suas tacanhas lógicas binárias, incompatíveis a problemas complexos da realidade posta.
Em abril de 2012, logo após publicar seu excelente “Alone Together”, Sherry Turkle escreveu marcante artigo no New York Times sobre a crescente substituição de conversas reais e pessoais por meras conexões tecnológicas; ponderou que “precisamos nos lembrar — entre textos, e-mails e postagens no Facebook — de ouvir uns aos outros, mesmo as partes chatas, porque é geralmente em momentos não editados, momentos em que hesitamos, gaguejamos e silenciamos, que revelamos nós mesmos uns aos outros”. Passada uma década de tal sensata advertência, presenciamos uma explosão de pretensas “redes sociais” mundo afora, trazendo consigo – coincidentemente ou não – um mar de solidão, depressão e significativo aumento do consumo de substâncias psicotrópicas. Paralelamente, no plano político, a vitalidade democrática também está a sofrer abalos significativos.
Ora, a democracia é uma genuína experiência humana, sendo, portanto, naturalmente imperfeita, mas absolutamente possível em suas manifestações virtuosas. Por assim ser, quanto mais alto o humanismo cívico, maior será a qualidade das instituições políticas. Todavia, quanto pior o caráter das manifestações humanas, mais fundo será o buraco da decadência democrática.
No descortinar dos acontecimentos, a erosão qualitativa da democracia é brutal, para não dizer assustadora. Em recente artigo na The Atlantic, a inteligência crítica de Jonathan Haidt fez primorosa análise dos efeitos nocivos das mídias sociais sobre as instituições democráticas, advertindo que as redes sociais acabaram por conceder poder aos agitadores e provocadores enquanto silenciaram os bons cidadãos, esvaziando o papel estrutural do dissenso político na democracia; entre irracionais manadas furiosas, que tratam os eventuais divergentes como inimigos radicais, “se não fizermos grandes mudanças em breve, nossas instituições, nosso sistema político e nossa sociedade poderão entrar em colapso durante a próxima grande guerra, pandemia, colapso financeiro ou crise constitucional”.
O problema central aqui é como conter os efeitos deletérios da tecnologia sobre o humanismo virtuoso, sem a imposição de restrições desmedidas ao espírito criativo e empreendedor do livre mercado. Se não podemos censurar a liberdade de expressão individual, as redes sociais também não podem ser um território de ninguém, alheio ao imperativo da responsabilidade. A justa ponderação constitucional exige equilíbrio e bom senso, pois não será trocando ofensas que resolveremos os desafios da contemporaneidade.