Hoje temos o nosso terceiro encontro para compartilhar com os leitores alguns dos principais ensinamentos que aprendi lidando com temas demográficos ao longo de 20 anos.
Depois dos artigos sobre o caráter universal do processo de envelhecimento das sociedades e da descrição das mudanças do perfil demográfico do país ao longo das últimas décadas, o tema de hoje é o das revisões das projeções demográficas do IBGE. Cabe fazer aqui, mais uma vez, o comentário de que essa instituição é um dos ativos do país. Estamos todos acostumados a falar mal da qualidade dos serviços que o Estado brasileiro presta ao cidadão, mas é justo por outro lado reconhecer que o país possui algumas instituições de Estado com nível de excelência. Assim como, por exemplo, o sistema de metas de inflação do Banco Central angariou uma elevada reputação – ainda que algo prejudicada nos últimos anos -, a entrega do imposto de renda por internet não tem nada a invejar aos melhores sistemas do mundo ou a urna eletrônica da Justiça Eleitoral é motivo de orgulho, o nosso IBGE é uma instituição de eficiência reconhecida internacionalmente.
Por melhor que seja a qualidade do órgão, porém, ele não tem bola de cristal. Nesse sentido, as projeções populacionais (fundamentais para o planejamento de políticas públicas) que ele faz estão sujeitas a erros, em virtude da diferença entre as hipóteses adotadas e o comportamento dos parâmetros-chave dos modelos de projeção no dia a dia da vida real.
Em particular, uma variável que não pode ser prevista com exatidão é o comportamento da fecundidade. O IBGE tem pontos dessa trajetória no passado, informando o número de filhos de cada família nos censos demográficos e nas diversas Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios (PNADs) e, com base neles, projeta a trajetória futura da fecundidade, para estimar os novos nascimentos e consequentemente estimar a evolução da população. Pequenas diferenças, entretanto, projetadas quatro ou cinco décadas à frente, geram mudanças maiúsculas.
Nas minhas palestras sobre a temática previdenciária, costumo perguntar para a plateia qual foi, em perspectiva histórica sob a ótica brasileira, o acontecimento mais relevante observado em 2008. Invariavelmente, como é natural, todas as respostas referem-se à crise da economia internacional que eclodiu naquele ano. A rigor, porém, talvez aquela crise não terá alterado dramaticamente o potencial de crescimento futuro da economia, que se recuperou em 2010. Na verdade – e de longe – o acontecimento mais importante para a avaliação do potencial de crescimento futuro da economia brasileira nas próximas décadas foi a revisão populacional do IBGE feita em 2008 – e que passou em brancas nuvens. De fato, quando isso ocorreu, sumiram mais de 45 milhões de brasileiros. Mais do que uma Argentina – e isso não gerou uma única manchete de jornal!
A tabela mostra o que aconteceu. Ao incorporar, quatro anos depois da revisão da projeção populacional até 2050, revisão essa feita em 2004, os novos dados de fecundidade – muito inferiores aos previstos, fruto da velocidade das transformações nos costumes e da disseminação dos métodos de controle da população – o IBGE percebeu que estavam nascendo menos indivíduos do que se supunha originalmente. Observe-se na tabela que na revisão de 2008 não houve qualquer modificação em relação à estimativa da população idosa, cujo contingente continuou sendo o mesmo que na projeção feita quatro anos antes. A diferença foi que incorporou-se aos modelos o fato de que estavam nascendo menos bebês e que, em consequência disso, 20, 30 e 40 anos depois haveria fatalmente menos adultos que o número inicialmente previsto. No cômputo global, a população brasileira total prevista para o ano de 2050, que na projeção feita em 2004 imaginava-se que alcançaria 260 milhões de pessoas, foi recalculada, quatro anos depois, para apenas 215 milhões.
Nada terá sido mais importante para o futuro do Brasil no longo prazo do que essa novidade informada pelo IBGE e que foi solenemente ignorada por todos: imprensa, partidos políticos, opinião pública e governo. A imprensa estava mais ocupada com a crise daquele ano; os partidos com as eleições municipais de 2008; o público sempre tem algum BBB com que se distrair; e o governo… ora, o governo vai se preocupar com 2050? O problema para a comunidade da qual todos fazemos parte é: se não for o governo a se preocupar com o longo prazo, quem há de ser? Que futuro terá o país se, quando nossos filhos forem maiores de idade, houver menos adultos para sustentar os idosos? E ninguém toma nota do fato para planejar o Brasil de 2050.
Fonte: Valor Econômico, 13/03/2013
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