Acordo de reconstrução nacional não pode ser tábua de salvação para certos líderes e partidos
A questão político-partidária, em seu viés policial, está sendo colocada de forma assaz enviesada. Discute-se amplamente sobre o caixa 1 e o caixa 2 dos políticos, partidos e campanhas eleitorais, como se tudo se reduzisse à legalidade de um e à ilegalidade de outro.
Os mais afoitos chegam a sustentar que basta uma declaração formal à Justiça Eleitoral de doações aparentemente legais para que tudo esteja resolvido. Burla-se a lei sob a aparência de respeitá-la. De modo diverso, o caixa 2 é defendido como se fosse uma simples escolha de doadores que, por uma razão qualquer, preferiam não aparecer.
O problema, porém, não reside nessa distinção, superficial, mas nos crimes que são cometidos seja com o caixa 1 ou com o caixa 2. O volume deles chega a ser alucinante: corrupção ativa, corrupção passiva, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, e assim por diante. Dá vertigem!
É a propina, a corrupção e a formação de quadrilhas tomando de assalto a coisa pública. Agentes públicos e privados saquearam empresas estatais, por exemplo, por meio de todo um esquema que envolveu tanto um tipo de caixa como o outro. O importante é o desvio de recursos públicos, que depois eram direcionados para os bolsos dos agentes, para partidos e campanhas eleitorais. Vivia-se uma normalidade anormal!
Os grandes responsáveis por esse enredo criminoso foram o PT e seu líder máximo, que terminou se mostrando o chefe de toda uma quadrilha, a maior delas. Tiveram bons coadjuvantes em outros partidos. O “pai dos pobres” revelou-se o “pai das empreiteiras” e o seu partido, em vez de permanecer fiel à sua pregação moral de antanho, resolveu jogar seu destino na defesa do comandante. Nenhum setor do Estado ficou imune a essa atividade criminosa.
O resultado de tal descalabro se fez sentir até no domínio social, com desemprego atingindo 14 ,2 milhões de pessoas, recessão brutal e inflação que só agora, com o novo governo, começa a ser domada. Nem as bandeiras sociais resistiram a tão terrível choque de realidade.
Do ponto de vista institucional, a situação não é menos aterradora. Todos os Poderes estão corroídos. O Legislativo está desacreditado, com a classe política tendo sido atingida em cheio. O Executivo tem vários ministros envolvidos, quase um terço do governo. Já circulam rumores de que as instâncias superiores do Judiciário estariam também envolvidas na Lava Jato, embora isso não tenha por enquanto aparecido. Salvam-se, nesse processo, partes significativas da primeira e da segunda instâncias do Judiciário e do Ministério Público e a instituição militar, que permanece íntegra.
A democracia brasileira está, pois, a enfrentar um duro teste. Eleições não são critérios seguros para medir a sua existência se as instituições estiverem desmoronando. Não há democracia sem Estado. E o Estado foi corroído de dentro.
O que, sim, terminamos observando são discursos retóricos, demagógicos, visando ao convencimento dos eleitores, como se a nossa situação fosse de fácil equacionamento, consistente, por exemplo, em barrar a Lava Jato ou nos discursos de políticos de que seriam todos inocentes à espera de um julgamento “justo”.
Alguns lutam desesperadamente, como o ex-presidente Lula, que tenta fazer de seu comparecimento à Justiça um espetáculo midiático, tendo como coadjuvantes parlamentares e militantes de seu partido, muitos enfrentando os mesmos tipos de processos judiciais. Se há espetáculo, é o da comicidade de tal encenação. Mas ninguém mais ri!
Nesse contexto, torna-se, por assim dizer, frívolo encarar os conflitos partidários atuais como um embate entre esquerda e direita, distinção que carece completamente de sentido. Há criminosos num campo e no outro. Ela foi substituída por outra, a que diferencia mafiosos e cidadãos respeitosos das leis e da Constituição.
Logo, a questão consiste em como fazer um pacto para sair da atual crise política, considerando que os partidos perderam a legitimidade, esquerda e direita tornaram-se palavras vazias e as propostas de negociações partidárias estão baseadas em critérios mais que duvidosos. Parece que nossos líderes políticos não se deram conta de que o Brasil já mudou e tornou a moralidade pública um princípio da ação e da organização institucional.
Há pouco tempo surgiram notícias de que o instituto de estudos do PSDB estaria estabelecendo uma parceria de reflexão com a instituição congênere do PT. Qual o sentido de tal aproximação? Talvez a afinidade ideológica que tiveram no passado e que não resiste ao tempo e à imoralidade presente.
Além do próprio PSDB estar enrolado na Lava Jato, o PT, o ator principal da imoralidade pública, procura apresentar-se como um parceiro ideológico, como se nenhum crime tivesse cometido em seus longos anos de governo.
Foi igualmente noticiado que Lula estaria disposto a negociar com seus adversários, até os históricos, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em nome do futuro do país. Iniciativa reafirmada, aliás, na última semana.
Cabe, então, a pergunta: que tipo de pacto? Pacto entre pessoas e partidos envolvidos na criminalidade? Que tipo de pacto político é esse que torna protagonistas cidadãos que têm contas a ajustar com a Justiça, e contas pesadas?
Um verdadeiro pacto para tirar o país da crise deveria envolver, por princípio, pessoas de bem, que seguem as leis e as instituições. Não pode ser a ocasião de salvar a cara dos que cometeram atos criminosos e corroeram as instituições. Não se pode confundir pacto de reconstrução nacional com tábua de salvação para certos líderes e partidos. Deve ser ele a oportunidade de congregar os que procuram salvar essas mesmas instituições, os que não aceitam o atual enfraquecimento do Estado.
Reforme-se o Estado para salvar a democracia.
Fonte: “O Estado de S. Paulo”, 01/05/2017
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