Não foi dos mais exemplares o procedimento burocrático de prisão dos primeiros mensaleiros levados para o Complexo da Papuda em Brasília. Basta ver que os condenados com direito a prisão semiaberta ficaram desnecessariamente em prisão de caráter fechado, pois no fim da tarde de ontem foram removidos para o Centro de Internamento e Reeducação, que fica no próprio Complexo da Papuda.
A medida não foi tomada antes porque faltava a carta de sentença no decreto de prisão assinado pelo presidente do STF, Joaquim Barbosa. Outra falha gritante foi a Polícia Federal ter deixado fugir, pela fronteira do Paraguai ao que tudo indica, o ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, que ajudou a desviar milhões do dinheiro público para o esquema do lobista Marcos Valério. Ele já havia dado sinais de que preparava algum esquema antes, quando viajou à Itália sem comunicar, já condenado pelo mensalão, embora sem pena definida. Reapareceu para votar nas eleições municipais de 2012, mas no endereço oficial em Copacabana, onde uma juíza não conseguira entregar-lhe intimação, continuava ausente. “Ele viaja muito”, dizem vizinhos. Desta vez, não voltará mais.
Mas foram pequenos percalços, dos quais as defesas se aproveitaram para fazer um movimento ruidoso a favor de seus clientes, o que é perfeitamente compreensível. O caso do preso José Genoíno foi o mais explorado politicamente.
Em nota oficial, o Departamento Penitenciário Nacional, subordinado ao Ministério da Justiça do governo petista, negou que o preso tenha tido qualquer ocorrência médica após dar entrada na Papuda. Parentes de Genoíno chegaram a dizer que ele corria risco de morrer na cadeia, para reforçar o pedido de prisão domiciliar. Acho até que o pedido seja justificável, pela situação de saúde de Genoíno, mas o presidente do STF fez bem em pedir laudo de médico do Estado para referendar eventual decisão.
O caráter “provisório” da permanência dos presos em regime fechado foi atestado pelo Departamento Penitenciário, e eventuais benefícios terão de ser avaliados pelo juiz da execução penal do Distrito Federal.
Tudo nesse caso é novo e delicado. Mas a democracia brasileira está se saindo bem até o momento.
Mensalão e a República
Tem tudo a ver a decretação das primeiras prisões dos condenados pelo mensalão em 15 de novembro, quando se comemorou a Proclamação da República. Ao formalizar o entendimento de que houve desvio de dinheiro público no caso, o plenário do STF, no 30º dia do julgamento, ouviu os melhores votos sobre a gravidade do ocorrido. O ministro Celso de Mello denunciou que essa prática, inaceitável, põe em risco o equilíbrio entre os poderes da República: “O Estado brasileiro não tolera o poder que corrompe e nem admite o poder que se deixa corromper.”
Também o então presidente da Corte, Ayres Britto, deu a dimensão da gravidade do esquema criminoso ao concordar em que ele é representativo “de poder ideológico partidário”, acontecendo “mediante a arrecadação mais que ilícita, criminosa, de recursos públicos e privados para aliciar partidos políticos e corromper parlamentares e líderes partidários”. O voto de Celso de Mello enquadrou o objeto do julgamento na ótica da preservação da República. Ao votar a favor do crime de quadrilha, ele ampliou a interpretação, equiparando a “ameaça à paz social” feita pelos bandidos à insegurança provocada por “esses vergonhosos atos de corrupção parlamentares profundamente levianos quanto à dignidade e à respeitabilidade do Congresso Nacional”. O decano defendeu que tais atos “devem ser condenados e punidos com o peso e o rigor das leis desta República”, pois “afetam o cidadão comum, privando-o de serviços essenciais, colocando-os à margem da vida”.
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