Uma das melhores decisões que o atual governo tomou na área da educação, ou talvez em qualquer área, foi a criação, no ano passado, de um programa de bolsas de estudo em universidades estrangeiras para estudantes interessados em aperfeiçoar seus conhecimentos depois de formados no Brasil. Não se trata de mandar gente para Cuba, Moçambique ou coisa parecida: as bolsas se destinam a cursos em universidades dos Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra, França e Itália, nas quais se oferece hoje, de modo geral, o ensino superior mais avançado do mundo. Também não servem para quem queira estudar movimentos sociais, direção de cinema ou gastronomia sustentável. As bolsas, aqui, são reservadas exclusivamente para coisas que têm a ver com a vida real da produção – matemática, física, biologia, química e, num segundo momento, áreas como tecnologia mineral, petróleo, gás natural e outras disciplinas científicas. O Brasil, no momento, tem uma necessidade desesperada de profissionais com alta qualificação em tudo isso. Um vasto leque de atividades essenciais para uma economia moderna depende diretamente deles – sem a sua presença nas empresas, sejam elas privadas ou estatais, brasileiras ou multinacionais que operam no país, simplesmente não é possível executar uma infinidade de novos projetos na indústria, infraestrutura, agricultura, exploração de recursos naturais e virtualmente qualquer área do universo produtivo, Investimentos ficam bloqueados. Perde-se espaço para os competidores estrangeiros. Sofrem a criação de empregos, a melhoria de renda e a arrecadação de impostos.
A iniciativa é um belo exemplo de como utilizar com respeito, inteligência e eficácia o dinheiro público, que pagará diretamente 75% de todas as despesas do programa; é investimento certo, com retorno certo e na hora certa. Serviria, quem sabe, como um contrapeso para as informações desanimadoras que acabam de sair das universidades brasileiras – ao contrário do que a propaganda oficial faz imaginar, o número de alunos diplomados ao fim dos cursos está diminuindo, ao invés de aumentar. Tudo bem, portanto, até aí; mas só até aí. Estamos no Brasil – e no Brasil, é bom lembrar, o governo consegue errar mesmo quando acerta. No caso, está deixando uma parte de sua máquina desmanchar o que outra faz de bom: ao mesmo tempo em que paga para jovens brasileiros aprimorarem seus conhecimentos científicos e tecnológicos nas melhores universidades estrangeiras, empenha-se ao máximo para dificultar, depois que voltam ao Brasil, o reconhecimento dos títulos que obtiveram no exterior. Não é isso que o governo; no seu comando supremo, quer. Mas é o que acontece.
Como o jornal “O Estado de S. Paulo” relatou em artigo recente, as autoridades educacionais encarregadas de validar os diplomas dos bolsistas dedicam-se, na prática, a um trabalho de sabotagem permanente contra eles – e, naturalmente, contra o público que está pagando a conta. Há exigência da mesma carga horária que teriam nas universidades brasileiras, “das mesmas disciplinas e currículos, do mesmo esquema de avaliação de teses. de traduções juramentadas e de documentos expedidos por consulados”. A Universidade de Brasília, uma das encarregadas de fazer o reconhecimento de títulos, só examina, em cada setor de estudo, seis casos por semestre. É comum o bolsista esperar um ano ou mais pela validação. Se fez seus estudos numa universidade americana, as coisas podem ficar ainda piores. Em todo o sistema na verdade, o que prevalece é a hostilidade ao mérito individual, a ditadura do carimbo e uma ideologia boçal que separa o conhecimento científico em dois campos – o nacional, bom e popular, e o estrangeiro, ruim e elitista.
Essa história das bolsas é mais uma demonstração, entre tantas, do abismo que separa, dentro do governo brasileiro, as intenções dos resultados – e mais uma prova da impotência generalizada dos que mandam em relação aos que executam. Decidir bem, como todo mundo sabe, já é uma luta. Tudo fica muito mais complicado, obviamente, se os encarregados de executar as decisões não se interessam em cumpri-las. É o que vive acontecendo. Executam mal, ou executam devagar, ou simplesmente não executam – mesmo porque, muitas vezes, devem seguir regras que não lhes permitem praticar as ordens que recebem. O que se tem, ao fim da linha, é simples: quanto mais a alta autoridade manda, tanto menos a baixa autoridade obedece.
O verdadeiro inimigo a vencer está dentro de casa.
Fonte: revista Veja
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