Depois de ceder à pressão dos senadores contrários à desvinculação de recursos para saúde e educação, ainda há pontos no relatório da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que o governo negocia para serem retirados do texto final.
A votação da proposta está marcada para esta 4ª feira (3.mar.2021) e a ideia é que se chegue a um consenso até lá. Isso permitira que os 2 turnos necessários para aprovar uma PEC fossem votados no mesmo dia e não com 5 dias úteis de diferença como manda o regimento.
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Para isso, entretanto, é provável que o governo tenha que abrir mão de mais trechos do texto que ainda causam controvérsia entre os senadores. A leitura de uma nova versão do relatório do senador Márcio Bittar (MDB-AC) está marcada para esta 3ª feira (2.mar).
O Poder360 teve acesso a uma lista de itens que o governo vê como possíveis de saírem da medida:
– Equilíbrio fiscal: artigo pede observância do conceito na promoção de direitos sociais;
– Emendas na saúde: trecho proíbe alocação de emendas para pagamento de pessoal em ações nessa área;
– Intervenção federal: trecho que impede que a União intervenha em Estados com finanças em descontrole;
– Recursos ao Fies: incluiria na PEC item que preserve a vinculação de receitas para o Fundo de Financiamento Estudantil.
ENTENDA A PROPOSTA
O Poder360 preparou um detalhamento do que consta na proposta em tramitação no Senado. Trata-se de uma emenda constitucional que agrega elementos de outros 3 projetos: PEC 186 (chamada de emergencial), PEC 187 (fundos constitucionais) e PEC 188 (pacto federativo).
Para facilitar, o relator do projeto, senador Márcio Bittar (MDB-AC), fez um texto substitutivo dentro do processo de tramitação da PEC 186.
O objetivo principal é criar uma cláusula de calamidade pública na Constituição, que defina de maneira perene as situações em que cidades, Estados e a União podem fazer gastos excepcionais –como numa pandemia ou durante uma guerra– sem que sejam desrespeitadas as regras fiscais.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, chama de “contrapartida” o que ficar de legado institucional com a aprovação dessa emenda constitucional. O maior de todos seria desvincular as receitas do Orçamento, algo que foi estabelecido em 1988 quando a Carta foi redigida.
Hoje, os gastos com saúde e educação estão fixados desta forma:
União – a partir de 2018, o cálculo do piso de gastos federais para saúde e educação deveria ser feito com base no valor executado em 2017 e corrigido pela inflação do período. Para 2021, a estimativa é de R$ 123,8 bilhões para a saúde e R$ 55,6 bilhões para educação;
Cidades – prefeitos são obrigados a investir anualmente 25% da receita em educação e 15% em saúde;
Estados e Distrito Federal – governadores têm de investir 25% da receita em educação e 12% em saúde.
A PEC 186, analisada pelo Senado, acabava com todos esses percentuais e valores. Prefeitos, governadores e presidente da República poderão investir o percentual que desejarem em cada área.
A ideia era permitir que os governantes assumam efetivamente o poder sobre o Orçamento. Por exemplo, numa cidade com muitas crianças talvez o prefeito prefira investir mais em educação. Já em locais em que a população é mais idosa, o prefeito pode eventualmente priorizar mais gastos em saúde.
Além da desvinculação de receitas, medida que despertou muita controvérsia, há também estes detalhes, que o Poder360 explica a seguir:
Auxílio emergencial: em 2021 pode ser pago por meio de créditos extraordinários, que não contarão para o deficit fiscal nem para a regra de ouro, que proíbe o endividamento para pagar despesas correntes. Não será considerado para teto de gastos e não será vinculado à decretação de estado de calamidade pública. Os valores e a duração serão estabelecidos por outras medidas legais;
Calamidade pública: torna prerrogativa exclusiva do Congresso Nacional a decretação de estado de calamidade. Permite que o presidente da República proponha aos congressistas a decretação. Enquanto vigorar, é criado um regime fiscal extraordinário, que separa gastos “normais” de gastos emergenciais;
Colchão fiscal: traz diversas diretrizes a serem seguidas por União, Estados e municípios, como a necessidade de avaliar políticas públicas e de cuidar da sustentabilidade da dívida. Veda a criação de fundos públicos que envolvam vinculação de receitas.
GATILHOS FISCAIS
União – quando o Poder ou órgão tiver despesas obrigatórias primárias equivalentes a mais de 94% da despesa primária total, ficam vedados:
– aumentos, reajustes ou adequação de remuneração para servidores, exceto em caso de sentença judicial transitada em julgado;
– criação de cargo, empresa ou função que aumente despesa;
– alterações de estruturas de carreira, se a mudança for elevar despesas;
– contratações, a não ser para repor cargos de chefia e direção que não acarretarem aumento de despesas e no caso de vacância de cargos efetivos ou vitalícios. Impede também as contratações temporárias excepcionais e contratações temporárias para serviço militar e de alunos de formação militar;
– realização de concursos públicos;
– aumento de auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios de qualquer natureza;
– criação de despesa obrigatória;
– reajuste de despesas obrigatórias acima do nível da inflação;
– aumentos de benefícios de cunho indenizatório.
Parte desses mecanismos já está na Constituição, mas não o limite de 94%. O trecho que fala sobre contratações, por exemplo, já existe. Mas a proposta inclui os militares nas ressalvas.
Estados e municípios – para os entes federativos, os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário poderão usar os gatilhos de contenção de gastos se as despesas correntes passarem de 95% das receitas correntes. Nesses casos, ficam vedados:
– aumentos, reajustes ou adequações de salários, exceto quando por determinação judicial transitada em julgado;
– criação de cargos, empregos ou funções que aumentem as despesas;
– alterações em carreiras que aumentem despesas;
– admissões ou contratações, salvo reposições em cargos de chefia ou direção que não aumentem despesas, reposições por vacância em cargos efetivos ou vitalícios e contratações temporárias excepcionais;
– realização de concursos públicos;
– criação ou aumento de auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios, incluindo os indenizatórios;
– criação de despesas obrigatórias;
– medidas que aumentem despesas acima da inflação;
– criação ou expansão de programas e linhas de financiamento, remissões, renegociações ou refinanciamento de dívidas que ampliem despesas com subsídios e subvenções;
– concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária;
Também ficam suspensos atos que possam aumentar despesas de pessoal, progressão e promoção funcional de servidores. Isso inclui os que trabalham em empresas públicas e em sociedades de economia mista que recebem recursos do poder público.
Os governadores e prefeitos poderão usar essas ferramentas quando a despesa corrente superar 85% da receita corrente. Nesse caso os atos têm validade por, no máximo, 180 dias, se não houver aprovação do Legislativo.
Fonte: “Poder 360”, 01/03/2021
Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado