Ao que tudo indica, dos 11 ministros do STF, apenas Rosa Weber, Edson Fachin, Celso de Mello e Cármen Lúcia ainda representam um pouco de sensatez em meio ao mar de insanidade que tem sido o Brasil dos privilégios. Foram estes que votaram contra o reajuste de 16% do próprio salário. Os quatro ministros ainda tem noção da realidade do Brasil em que vivemos.
Ainda assim não adiantou! O placar final foi 7 x 4. Lewandowski, Marco Aurélio, Barroso, Gilmar Mendes, Toffoli, Luiz Fux e Alexandre de Moraes votaram a favor do aumento que ao final foi aprovado pela maioria.
Atualmente em R$ 33,7 mil, o salário dos magistrados vai ultrapassar os R$ 39 mil após o ajuste. Os ministros Dias Toffoli e Lewandowski ressaltaram que a proposta não terá impacto financeiro nas contas públicas. Segundo eles, foram feitos cortes internos nas despesas para bancar os custos.
+ Gil Castello Branco: “O dinheiro não nasce dentro do STF, quem paga essa conta somos nós”
O que eles não contam, porém, é que o salário dos ministros do STF é o teto do salário do servidor público e serve como base para os salários de todos os magistrados do país. Por isso, quando é reajustado, gera um efeito-cascata nas demais carreiras públicas.
Segundo estudo das consultorias de Orçamento da Câmara e do Senado, esse efeito cascata pode levar a um aumento de gastos com salários de R$ 4 bilhões para os Poderes da União e para os estados.
Privilégios e mais privilégios…
A justificativa geral dos que votaram a favor do aumento é que a última correção aos ministros do Supremo foi concedida em 2015. Na ocasião houve um reajuste de aproximadamente 15%. Esse aumento para 2019, portanto, serviria para manter o poder de compra corroído pela inflação nos últimos 3 anos.
Para os 7 ministros a favor do reajuste de seus próprios salários, cabe lembrar um pouco do Brasil em que vivemos. De todos os trabalhadores brasileiros, metade ganham até R$ 1.307. Um pouco mais distante dos, agora, R$ 39 mil reais dos ministros do Supremo.
Leia mais:
Joel P. da Fonseca: Para que serve um debate?
Helio Gurovitz: Há cura para a polarização política?
Fernando Gabeira: Eleger ou derrubar?
A diferença fica ainda mais gritante quando se compara o rendimento médio do setor privado e dos servidores públicos. Em 2003, o salário médio do setor público era, em média, 43% acima do setor privado. De lá pra cá, essa diferença apenas aumentou.
Enquanto o setor privado viu seu salário médio crescer apenas 10% entre 2003 e 2016, o setor público teve 33% de aumento nesse mesmo período. O que fez com que o servidor público ganhe agora 75% a mais que um trabalhador do setor privado. O que era ruim ficou ainda pior.
Mas esse movimento tem uma explicação. Em momentos de crise, há uma diminuição pela mão de obra dos trabalhadores. Empresários decidem pagar menos e funcionários aceitam um salário mais modesto para não ficarem desempregados. Os salários, portanto, se ajustam para se adaptar a uma economia mais fraca, apresentando um menor crescimento ou até mesmo uma diminuição.
O servidor público, porém, não está sujeito a essas leis de mercado, pois tudo fica definido no papel, através da caneta de gente que insiste em não saber o Brasil em que vive. E mesmo quando há uma crise como a que passamos em 2014, muitos se acham no direito de querer manter o poder de compra dos salários.
O resultado é este. Mais da metade das 20 carreiras mais bem-sucedidas no Brasil são de servidores do Estado. A remuneração média dos funcionários públicos, chega a ser dez vezes superior ao que recebe os trabalhadores da iniciativa privada.
+ Murillo de Aragão: Sob o signo da desconfiança
No Judiciário, o valor médio do salário é de R$ 17.898. No Legislativo, R$ 15.982 e, no Ministério Público da União, R$ 15.623. Mas isso não importa, para muitos dos pertencentes à classe dos privilegiados, que não vêm esses valores como astronômicos.
A discrepância consegue ser ainda maior em relação às aposentadorias. Enquanto o benefício médio pago pelo INSS é de R$ 1.862, um aposentado do Congresso ganha, em média, R$ 28.527, e do Judiciário, R$ 25.832.
Privilégio é dos outros, o nosso é direito adquirido.
Sérgio Ronaldo da Silva, da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), diz que a situação do governo federal está “sob controle”. Segundo Silva, “O governo continua cumprindo a exigência da Lei que permite gastar até 50% das receitas com o funcionalismo. Se estivéssemos chegando a 47%, poderíamos falar em preocupação (o índice está hoje em 38,2%). Esses dados mostram que ainda há espaço para gastar”.
De acordo com a Condsef, a situação do governo federal não é alarmante como a dos Estados e municípios. O sindicalismo defende que a União recomponha a força de trabalho nos últimos anos, já que os gastos ainda estão abaixo do limite legal.
No país que passa pela maior crise, os grupos organizados vão se ajeitando para obter os seus privilégios. Caminhoneiros não querem pagar por um combustível mais caro, dado que é um direito ter combustível barato. Ministros do STF querem manter o poder de compra dos salários, assim como os Procuradores do Ministério Público Federal, pois isso é um “direito inalienável”, até mesmo para os que ganham super salários.
Mas os que ficam de fora da lógica dos privilégios, são os quase 14 milhões de desempregados. Junto aos trabalhadores informais sem carteira assinada e a metade dos brasileiros que ganham até R$ 1.307.
Para estes que estão fora de poderosos grupos organizados, não existem privilégios, nem direitos.
Fonte: “Terraço Econômico”, 14/08/2018