Após anos de impunidade reinante, a corrupção está conhecendo a ação saneadora da lei. Sabidamente, não há legalidade parcial, pois a parcialidade legal é o primeiro sintoma de uma democracia sem povo. E o povo sem lei não passa de um fantoche do arbítrio institucionalizado. Daí, o porquê da fundamental garantia de um Judiciário independente e livre de pressões políticas. Afinal, quando o juiz tem medo – seja ele qual for – a República não dorme. E, para dormir bem, o cidadão precisa de segurança e previsibilidade condutas. Sem cortinas de hipocrisia, só há uma maneira de gerar e promover a tranquilidade coletiva: leis boas e, caso preciso, boa guarda judicial.
Nesse contexto, não há dúvida de que o Supremo cresce aos olhos da nação. Em que pesem as dúvidas e pressões de toda ordem, a Alta Corte está sendo modelar no julgamento do malsinado “mensalão”; como requer uma democracia digna, o caso está sendo julgado publicamente e os fundamentos dos votos estão aí para serem aprovados ou criticados. Tudo feito à luz do dia e aos olhos de todos. Todavia, no trabalho permanente de pensar o país, temos que refletir sobre o futuro que virá e sobre os desafios que teremos pela frente.
O primeiro ponto a ser salientado é que o regime presidencial – da forma como está organizado – é um copo de açúcar para abelha da corrupção. Sobre o ponto, não custa lembrar que há acusação semelhante ao mensalão contra integrantes de partido da oposição. Logo, o problema da corrupção é sistêmico e, não, deste ou daquele partido. Poderia, então, rememorar o sempre lúcido catecismo de Raul Pilla e voltar a defender o ideal parlamentarista. Ocorre que as questões políticas de um país estão intimamente ligadas às tradições e costumes consagrados no desenrolar da vida pública. No caso brasileiro, o pragmatismo do poder venceu a fiel ideologia parlamentar para fincar as raízes presidencialismo. Com isso, o presidente – que nada mais é do que um monarca eleito – precisa de base partidária para governar. E a Ação Penal 470 é a prova de que o presidencialismo é frágil e violável sem a presença de partidos fortes, pois, aqui, até almas são vendidas pela tal governabilidade.
Indo adiante, as consequências do mensalão e quejandos poderão ser de absoluta originalidade pedagógica. Isso porque o art. 17, III, da Constituição Federal determina que a prestação de contas à Justiça Eleitoral é uma das condições de funcionamento legítimo dos partidos. Ora, as normas constitucionais não são feitas de palavras vazias; uma vez ditas, devem ser cumpridas e aplicadas. Para bem realizar o desiderato da Constituição, o art. 28, III, da Lei 9096/95, ao versar sobre a juridicidade dos partidos, estabeleceu como causa de cancelamento do registro partidário a não prestação de devidas contas à Justiça Eleitoral. Diante da alva e incontestável dicção normativa, os problemas poderão se agravar e ganhar envergadura, pois o uso de dinheiro de origem ilícita (“caixa 2”) foi invocado com argumento de defesa, ou seja, houve confissão explícita da prática do ilícito eleitoral.
Por estas coisas do destino, o fato é que a estratégia da defesa poderá se transformar em adrenalina intravenosa. Isso porque, verificada a inexatidão dolosa das contas prestadas à Justiça, estará aberta a porta para a propositura de ação de cassação partidária. Tal demanda, nos exatos termos do §2º, art. 28, Lei 9096/95, tem iniciativa “à vista de denúncia de qualquer eleitor, de representante de partido, ou de representação do Procurador Geral Eleitoral”. Sinceramente, ignoro se os acusados do mensalão imaginavam o quão longe poderia chegar a amorosa adoção da tese de caixa 2 eleitoral. Mas o fato é que a lei está aí clara em seus termos e límpida em suas intenções. Por conseguinte, o pós-mensalão poderá ser ainda mais moralizador ao sistema político. Falando nisso, já está na hora de acabarmos com a bandalheira partidária que reina no país. É lição antiga que não existe e não pode existir política alta e digna com partidos baixos e refratários. Ou será que a orfandade partidária pode gerar grandes políticos?
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