Parece que o governo não considerou — ou, se considerou, resolveu simular indiferença — a seriedade do recado que o Tribunal de Contas da União passou na última quarta-feira ao rejeitar as contas de 2014 da presidente Dilma Rousseff. Tanto assim que, por um caminho diferente das pedalas praticadas no passado pelo ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, Brasília continua abusando da criatividade no trato com o dinheiro público.
[su_quote]Mas os atuais responsáveis pelo FGTS não estão nem um pouco preocupados com os apertos que o trabalhador brasileiro passará no futuro[/su_quote]
No mesmo dia em que o TCU condenou por unanimidade as artimanhas contábeis utilizadas para fechar o balanço federal do ano passado, o Conselho Curador do FGTS autorizou a transferência de R$ 8,1 bilhões depositados no fundo para o Minha Casa, Minha Vida. A transferência será “a fundo perdido”. Ou seja, o dinheiro — que será gasto parte este ano e parte em 2016 — não terá que retornar ao FGTS.
Rossetto e Barbosa
O Conselho Curador do FGTS é presidido pelo ministro do Trabalho e Previdência Social. O posto, como se sabe, passou a ser ocupado desde a segunda-feira passada por Miguel Rossetto (que até outro dia era o Secretário-Geral da Presidência da República e sempre foi um dos principais “articuladores” políticos do governo). Ou seja, dois dias no novo emprego foram suficientes para Rossetto começar a mexer os pauzinhos e transferir o dinheiro sob sua guarda para o governo tapar o rombo em suas contas. Justiça seja feita, a ideia não saiu da cabeça de Rossetto. Ela vinha sendo defendida desde o início de setembro pelo ministro do Planejamento Nelson Barbosa. Dos 24 integrantes do Conselho, 12 são prepostos do governo (o ministro das Cidades, Gilberto Kassab, é o vice-presidente do colegiado). Além disso, há representantes de centrais sindicais (CUT, lógico, Força Sindical, UGT etc) e de entidades patronais. É mais ou menos como se delegar a tubarões famintos a responsabilidade de zelar por um cardume de sardinhas.
Aperto no futuro
O FGTS, qualquer assalariado sabe, é uma poupança compulsória que deve ter sempre saldo disponível para ser sacado pelo trabalhador assalariado que perde o emprego ou se aposenta. Ao destinar parte desse dinheiro para bancar uma das principais bandeiras eleitorais de Dilma e do PT, o governo age, na prática, como um depositário infiel e comete um crime tipificado no Código Civil brasileiro. Ainda que os recursos destinados ao Minha Casa, Minha Vida venham a ser bem administrados e não se transformem em pixulecos no bolso de uns e de outros, o dinheiro jamais poderia ser destinado para cobrir uma despesa do orçamento, num programa que não dará retorno algum.
O dinheiro tirado do FGTS não fará falta este ano. Talvez ainda demorem uns quatro ou cinco mandatos presidenciais para que alguém perceba que os recursos depositados na poupança do trabalhador foram desviados e que o saldo existente não dará para indenizar a todos que dele necessitarem. Mas os atuais responsáveis pelo FGTS, que mal conseguem explicar o passado do governo para o qual trabalham, não estão nem um pouco preocupados com os apertos que o trabalhador brasileiro passará no futuro. O que eles querem mesmo é encontrar um jeito de financiar seu vasto repertório populista.
Fonte: Hoje em Dia, 11/10/2015.
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