Recentemente, meu amigo Marcos Lisboa passou a se referir à crise atual como depressão brasileira. Depressão significa recessão profunda e prolongada. Diferencia-se das crises cíclicas que acometem as economias de mercado. Nesses ciclos, a economia oscila, para melhor e para pior, em torno de uma tendência de crescimento de longo prazo relativamente fixa.
A depressão altera a tendência. Significa queda de produto e, em seguida, queda permanente da tendência de crescimento de longo prazo.
Nosso cenário indica que devemos recuar 3,7% em 2015, 3% em 2016 e provavelmente o crescimento será positivo em 1% em 2017. O recuo do produto per capita de 8,6% no quadriênio 2014-2017 será o segundo pior desde 1904, somente superado pelo quadriênio 1981-1984, quando o recuo foi de 9,6%.
[su_quote]É fundamental que as discussões foquem não só num ajuste fiscal estrutural e duradouro, mas também nas reformas pró-crescimento[/su_quote]
Normalmente as grandes depressões das economias de mercado ocorrem quando há forte redução da demanda agregada. A economia por longos anos vivencia juros muito baixos, deflação, desemprego e queda de produto. Essa é a situação da economia norte-americana de 2008 até agora e também nos anos 1930.
No caso brasileiro, tanto no início dos anos 1980 quanto agora, nossa depressão foi fruto de queda permanente da produtividade, que causou perda permanente de produto. Trata-se de fenômeno de oferta, e não de demanda. Hoje, diferentemente dos anos 1980, não temos crise de dívida externa. Nossos problemas são somente internos.
Ao longo de muitos anos, nossa economia se preparou para ser civilizada. Isto é, a economia de uma sociedade que consegue gerir de forma não inflacionária seu conflito distributivo. Negociações no Congresso decidem as receitas e as despesas de forma a não pressionar a inflação.
Boa parte da perda de produto pela qual estamos passando resulta de estarmos retornando para situação de inflação permanente. Estamos voltando a um passado que vivenciamos entre 1950 e 1998, quando a inflação fechava as contas de nossa irresponsabilidade fiscal. A dor que sentimos deriva menos de para onde caminhamos -sabemos sobreviver na bagunça- e mais de onde estamos vindo.
A expansão da última década foi beneficiada pela alta dos preços das commodities e de ganhos de produtividade no agronegócio e no setor de serviços, principalmente serviços financeiros. Em razão da estabilização da economia e de inúmeras reformas microeconômicas -crédito em consignação, nova Lei de Falências, instituto da alienação fiduciária para o crédito imobiliário e de automóveis, diversos instrumentos de crédito com execução extrajudicial, entre outros- que melhoraram muito o funcionamento dessa importante infraestrutura das economias de mercado, o crescimento acelerou.
A volta da inflação e a incapacidade da política em construir um consenso que encaminhe os desequilíbrios fiscais estruturais e, portanto, estabilize a trajetória da dívida pública sinalizam que teremos mais inflação nos próximos anos. Perderemos os ganhos de produto que tivemos com o melhor funcionamento do mercado de crédito.
Em algum momento, mesmo que não resolvamos os problemas fiscais, e quando tivermos destruído os ganhos de eficiência que advieram de nosso sonho de uma noite de verão, a depressão terminará. Quando o pesadelo acabar, acordaremos para a mediocridade permanente, a menos que a política consiga nos surpreender.
Fonte: Folha de São Paulo, 06/12/2015
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