Vitória de Pirro é expressão usada para designar vitória obtida a um custo alto, com danos possivelmente irreversíveis. Não é bom ganhar nada como fez o rei Pirro na batalha de Heracleia. Se a vitória de Pirro é algo ruim, o que dizer da derrota pírrica conquistada por gregos e europeus na última segunda-feira?
Como previsto, depois da aplicação de poderoso torniquete, os guerreiros do Syriza capitularam. Entre os mais variados objetos de tortura, a ameaça de expulsão foi arrebatadora. Confrontada com a real possibilidade de sair da zona por euro em poucas horas, a Grécia de Alexis Tsipras aceitou fazer em um par de meses aquilo que não fez em cinco anos. Também aceitou passar pelo Parlamento reformas complicadas, como uma completa revisão das instituições responsáveis pela execução do Orçamento, além de direcionar € 50 bilhões para o fundo que será responsável pela recapitalização dos bancos do país.
O golpe de misericórdia veio com a mais brutal exigência de austeridade: a Grécia terá de introduzir cortes semiautomáticos de gastos, caso não cumpra metas fiscais substancialmente mais rígidas do que aquelas rejeitadas pelos gregos no pírrico referendo ocorrido há dois domingos. Para quem viu no “não” vencedor exemplo de valentia “contra tudo isso que está aí”… nem as batatas.
[su_quote]O euro é um projeto que engloba cidadãos de 1ª classe, os confiáveis, e de 2ª classe, os imprudentes[/su_quote]
E os europeus? Derrotaram o minotauro Tsipras? Saíram ilesos do labirinto? Por mais que o acordo da Grécia, que ainda não é acordo – terá de passar por muitas provas, votos, e negociações até que possa ser designado como tal–, possa dividir opiniões, as fissuras provocadas no projeto europeu são inquestionáveis.
Basta ver o que dizem diversos economistas europeus e não europeus, colegas do Peterson Institute for International Economics (www.piie.com). Resumindo as opiniões, das quais compartilho, o uso da ameaça da saída grega da zona do euro como instrumento de negociação revela profunda desconfiança em relação a um membro da união monetária, o que não pode ser bom para a sua sobrevivência no longo prazo. Mais do que isso, a desavença entre europeus do Norte, europeus do Sul e a França – que não se encaixa em qualquer definição direcional– sobre a questão grega desvela ressentimentos e visões de mundo muito distintas. De um lado, os pragmáticos alemães, que não querem pagar pela imprudência dos outros. Do outro, a fraternidade dos franceses, para quem, sem solidariedade, o projeto de integração europeia não sobrevive.
O gesto alemão e a capitulação grega mostram que a zona da moeda única, hoje, é projeto que engloba cidadãos de primeira classe, os confiáveis, e cidadãos de segunda classe, os imprudentes.
Cabe aos confiáveis a tarefa de enquadrar os imprudentes, usando os instrumentos mais duros de que dispuserem. Cabe aos imprudentes escolher se querem ser chicoteados ou pagar o preço de sua imprudência, deixando a união monetária e pagando os custos da tragédia que Tsipras, afinal, não quis bancar.
Como disse o “Financial Times”, esse arranjo está mais para um regime mambembe de câmbio fixo plurilateral do que para um projeto político ambicioso de união continental.
A lição para nossos governantes? Nem sempre o suicídio é questão de vontade. As vezes resulta da mais pura incompetência.
Fonte: Folha de S. Paulo, 16/7/2015
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