O prédio que desabou em São Paulo na última terça-feira pertencia ao governo federal, era tombado e estava cedido para uso da prefeitura paulistana. Trata-se, portanto, de um duplo descaso com o bem público e, sobretudo, com as pessoas. Não é de estranhar.
O Ministério do Planejamento acha que a União tem 655 mil imóveis. Isso mesmo, acha, porque apenas 155 mil estão devidamente cadastrados. Quanto aos demais 500 mil, tem de tudo, desde título de propriedade com problemas até terrenos e edifícios abandonados.
Mas o prédio que desabou estava na lista dos cadastrados. O governo sabia perfeitamente sua história e suas condições. Ali já funcionaram agências do INSS e da Polícia Federal. Depois, ficou abandonado e foi ocupado (e desocupado) por movimentos. Em 2015, o governo tentou vender por R$ 25 milhões.
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Não apareceu comprador. Não por causa do preço, parece, mas pelos potenciais problemas com ocupantes e ex-ocupantes. Aí o prédio continuou largado até que no ano passado, o governo federal cedeu formalmente para a prefeitura de São Paulo ali instalar uma de suas secretarias. Desde então, com a rapidez habitual, a administração municipal negociava com moradores.
Em resumo, trata-se de um bem público que valia em torno de R$ 25 milhões, sem considerar o valor histórico, e estava simplesmente largado.
Dá para imaginar o que acontece com os demais imóveis dos governos federal, estadual e municipal pelo país afora. A Eletrobras, por exemplo, tem 800 imóveis que não utiliza. O Ministério do Planejamento começou a preparar a venda e encontrou, entre outras coisas, um cemitério e um açougue.
Melhor que abandonado, não é mesmo?
Poderiam dizer que o prédio que desabou tinha uma função social, pois servia de residência para famílias pobres. Mas reparem: só conseguia vaga na ocupação quem pagasse aluguel mensal de R$ 400 para dois supostos coordenadores do Movimento de Luta Social por Moradia.
Aqui entra um outro fator, causador de tragédias: a irresponsabilidade desses movimentos e seus militantes. E os moradores, não seriam também irresponsáveis, já que habitam um prédio obviamente de alto risco? Sim, seriam, mas há uma atenuante: o desespero de buscar onde morar, que os leva até a aceitar os achaques dos coordenadores. Estes não têm desculpa. Por razões políticas, expõem pessoas a riscos fatais.
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De todo modo, é dominante a responsabilidade do setor público. Bombeiros, por exemplo, disseram que já haviam alertado órgãos municipais sobre o risco apresentado pelo edifício. A prefeitura se defende dizendo que negociava com os moradores e que não podia pedir reintegração, porque não era a dona do prédio. E a União podia?
O fato é que há mais de cem prédios em São Paulo na mesma condição: ocupados em condições precárias.
Há problemas jurídicos, políticos e sociais. A desocupação de prédios públicos ou privados só pode ser feita mediante autorização judicial. Justiça lenta, problema prolongado. Mesmo quando os bombeiros avisam que a situação é precária, a retirada das pessoas não é imediata. E os governantes não gostam de desocupações, sempre um fato de repercussão negativa. Resultado: vai levando, deixando correr, até que ocorre uma tragédia.
Seguem-se as habituais promessas de ação.
Já seria um avanço se os governos cuidassem de seus imóveis, que são patrimônio do contribuinte. O Ministério do Planejamento pretende levantar nada menos que R$ 9,3 bilhões vendendo apenas participações minoritárias na União em 276 mil imóveis espalhados pelo país. No estoque, terrenos e casas em condomínios de alto padrão, como o de Alphaville, em São Paulo.
Não é a primeira vez que se planeja essa megavenda. Todo governo novo diz isso. Parece que os novos gestores se sentam na cadeira, dão uma olhada nos números e se espantam: Caramba, tudo isso de imóveis? Dá uma grana!
E sempre, até aqui, pelo menos, a venda para diante de obstáculos burocráticos e interesses diversos.
E assim vai. A Rede Ferroviária Federal, extinta, ainda tem quatro mil imóveis.
Fonte: “O Globo”, 03/05/2018