De Geraldo Alckmin (PSDB) a Jair Bolsonaro (PSL), de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) – ou Fernando Haddad – ao favorito de banqueiros João Amoêdo (Novo), virou moda entre os candidatos defender que o próximo presidente da República implante uma agenda em prol da desconcentração bancária.
Levantamento feito pelo “Valor” mostra a abordagem da questão nos planos de governo e entrevistas dos presidenciáveis e seus assessores econômicos. E atesta que, independentemente do vencedor da eleição, há uma clara tendência de que o sucessor de Michel Temer estimule nos próximos quatro anos um ambiente regulatório favorável ao surgimento de bancos pequenos e médios e a criação de “fintechs” como forma de ampliar a competição no mercado bancário, aumentar a oferta de crédito e levar à redução do spread.
As estratégias variam de acordo com o candidato. Virtual substituto de Lula na cabeça de chapa do PT, com a impugnação da candidatura do ex-presidente pelo TSE, Fernando Haddad é quem tem encampado a proposta mais detalhada e drástica. Ao participar de sabatina dos presidenciáveis com representantes do comércio e serviços há duas semanas, em Brasília – sua primeira agenda em substituição a Lula -, Haddad adiantou que o PT propõe uma ampla reforma do sistema bancário. “Vamos dar um basta na oligopolização dos bancos. E isso não virá sem dor”, avisou.
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O pilar da proposta é a adoção de uma tributação progressiva sobre os bancos. “Quanto mais cobrar de spread, mais imposto vai ter de pagar. Quando o banqueiro subir o juro, vai doer no bolso dele antes”, disse Haddad.
O plano de governo do PT, registrado na Justiça Eleitoral, não detalha a medida, mas reforça a importância de estimular a competição. “Para fomentar a concorrência bancária, será importante o incentivo a outras formas e instituições de crédito, cooperativas e regionais”, aponta o documento. “Propõe-se a alteração da TLP, visando filtrar a volatilide excessiva típica dos títulos públicos de longo prazo e dar incentivo a setores e atividades de alta externalidade e retorno social”, completa a proposta.
No fim de julho, Haddad esteve com o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, e com o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, que é contra a taxação progressiva. “Nosso sistema tributário não faz esse tipo de diferenciação. No nosso entendimento, isso é inclusive inconstitucional”, afirmou o ministro em entrevista à “Globonews”.
Coincidentemente, os dois candidatos que mais têm falado em desconcentração bancária em eventos e entrevistas – Alckmin e Henrique Meirelles (MDB) – não abordaram o tema em seus planos de governo. O tucano, por exemplo, tem levado a diversos eventos a tese. “Precisamos ter mais ‘players’, mais disputa, mais participantes da iniciativa privada. Os EUA têm milhares de bancos, nós temos basicamente cinco. Vou estimular cooperativas de crédito, fintechs.” A elaboração de uma Lei Geral de Garantias tem sido trabalhada pela equipe econômica de Alckmin, capitaneada por Pérsio Arida.
Em seu Relatório de Economia Bancária (REB), divulgado em junho, o BC mostrou que o país, de fato, está entre aqueles com sistemas bancários mais concentrados do mundo. Dados relativos a 2016 indicaram que os cinco maiores bancos do país – Caixa, Banco do Brasil, Itaú Unibanco, Bradesco e Santander – controlavam 82% dos ativos. Assim como em outros países, essa concentração aumentou a partir da crise financeira global de 2008.
O documento, contudo, relativizou o argumento de que a alta concentração está necessariamente correlacionada a baixa concorrência e a spreads elevados. No caso brasileiro, segundo o BC, pesa mais para determinar a diferença entre o custo de captação dos bancos e as taxas que cobrarão dos tomadores finais, em ordem decrescente, inadimplência, custos administrativos, impostos e margens financeiras (lucro e outros fatores). A concorrência afeta principalmente o componente margem financeira.
O candidato Henrique Meirelles é mais que favorável à desconcentração. Ele próprio arquitetou a reinvenção do banco Original, controlado pelo grupo J&F, relançado em 2016 com uma proposta de varejo 100% digital. Na semana passada, em encontro com representantes do agronegócio, o ex-ministro da Fazenda e ex-presidente do BC afirmou que o número de bancos que ofertam crédito ao setor rural é muito restrito e precisa ser expandido. “Vamos regulamentar isso [as fintechs] e criar condições para elas serem usadas pelas cooperativas e terem uma expansão de crédito substancial para o setor rural brasileiro.”
Assessor econômico de Meirelles, José Márcio Camargo já levantou em entrevistas a possibilidade de “tentar dividir os bancos públicos em três ou quatro bancos” para pulverizar esses recursos no mercado.
Ao “Valor”, formuladores do plano econômico do candidato Bolsonaro afirmaram que, apesar de a questão não ser abordada no plano de governo, o grupo é favorável ao estímulo a maior competição bancária em consonância com as diretrizes apontadas em entrevistas recentes por Ilan Goldfajn: dar espaço para que as inovações se instalem e se desenvolvam e fazer a regulação em um segundo momento.
O programa de Ciro Gomes (PDT) prega o aprimoramento da legislação para facilitar novos negócios financeiros dentro e fora do sistema bancário, assim como maior controle da concentração bancária por órgãos de regulação, com “participação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica [Cade] juntamente com o Banco Central nesse processo”.
Marina Silva (Rede) afirma em sua proposta que “a revolução tecnológica em curso é uma oportunidade para promover a desconcentração e inclusão bancária, levando crédito e serviços financeiros à população hoje excluída”. Para isso, caso eleita, ela pretende dar suporte às fintechs e promover “gradual digitalização dos meios de pagamentos, como forma também de combater a evasão fiscal e a lavagem de dinheiro”. Bancos comunitários e a criação das moedas sociais, “a fim de dinamizar e impulsionar o desenvolvimento econômico e social das comunidades locais”, também seriam estimulados pela presidenciável.
Egresso do mercado financeiro, Amoêdo foi mais um na semana passada a defender medidas que facilitem o surgimento de fintechs e cooperativas de crédito.
José Luís Rodrigues, conselheiro da Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs), afirma que as medidas que visam ampliar o acesso aos serviços financeiros e promover a concorrência já são uma agenda de Estado e a expectativa é que tenham sequência independentemente do resultado das eleições. “As equipes foram espertas ao pegar aquilo que já faz sentido e está sendo trabalhado”, afirmou Rodrigues. “As instituições brasileiras estão muito bem montadas e sabem como conduzir a questão.”
Entre as iniciativas mais recentes do BC para ampliar o acesso da população aos serviços financeiros, ela destaca a autorização para que fintechs concedam crédito sem a intermediação de um banco. Um próximo passo importante, diz, já em avaliação por grupo de trabalho criado pelo BC, é a regulamentação dos chamados pagamentos instantâneos, feitos sem restrição de horário ou meio. A expectativa da ABFintechs é que uma regulamentação seja definida até o fim do ano, abrindo espaço para o florescimento dos pagamentos instantâneos (por meio de celular, por exemplo) a partir de 2019. No fim de agosto, o BC divulgou proposta para o novo desenho.
A Febraban (Federação Brasileira de Bancos) não comenta propostas eleitorais, mas, em nota, afirmou que o setor é favorável a medidas que estimulem a competição, “preservada a isonomia de regras”. A concentração bancária, para a entidade, reflete a demanda de investimentos elevados no setor. Sobre a atuação das fintechs, a Febraban disse que elas são vistas como fontes de soluções que agregam valor aos serviços bancários e destacou a expectativa de que uma atualização das normas facilite a absorção de novos processos e tecnologias pelas instituições financeiras já existentes “sem tolher a contribuição das empresas inovadoras mais recentes para o bom funcionamento do sistema”.
Fonte: “Valor Econômico”