Preocupações com o mercado de trabalho se exacerbam. Com a significativa contração da produção de bens e serviços em curso, há sinais de que as demissões, ainda modestas, devem acelerar. A razão entre PIB e número de pessoas ocupadas dá uma dimensão do quanto há indivíduos empregados, mas ociosos. Sem perspectiva de uma retomada cíclica da economia tão cedo, é questão de tempo o avanço no fechamento de vagas. Na indústria, setor naturalmente mais afetado pela crise, a queda contínua de horas trabalhadas por empregado reforça essa avaliação.
A crise sem precedentes dificulta traçar cenários do que está por vir. No entanto, à luz do comportamento recente de indicadores do mercado de trabalho, possivelmente haverá descontinuidades adiante, ou aumento mais abrupto do desemprego.
O mercado de trabalho tende a reagir de forma defasada ao ciclo econômico. Afinal, o empresário precisa ponderar custos e benefícios de demissões e contratações. Na demissão, além do custo associado ao se dispensar mão de obra qualificada e treinada, há custos contratuais e legais, e, particularmente no Brasil, há insegurança jurídica decorrente do viés pró trabalhador e paternalista da Justiça trabalhista. O benefício da redução do quadro de empregados seria o ajuste de custos trabalhistas à queda de produção e faturamento, para preservar a saúde financeira da empresa.
Assim, em momentos de contração da economia e sem expectativas de reversão tão cedo, demora um certo tempo para os empresários tomarem a decisão de demitir. Não é qualquer desaceleração ou queda de atividade que serve de gatilho para a empresa reavaliar o quadro de funcionários.
Como há muito o Brasil não vive quadro tão difícil como o atual, há muita incerteza quanto ao tamanho das demissões, especialmente porque não há séries estatísticas suficientemente longas para estudo.
De qualquer forma, dados indicam baixa variação da ocupação ao longo do tempo. Dados da Pnad desde 1995 mostram que praticamente não houve retração na ocupação ao longo dos anos. Pelo contrário, esta cresceu de forma sistemática, o que significa que os ciclos de aumento da taxa de desemprego refletiram muito mais o descompasso entre vagas abertas e a procura por trabalho do que demissões. Foi o que, grosso modo, aconteceu ano passado (dados disponíveis até o terceiro trimestre). Será possível manter esta estabilidade na ocupação daqui para frente?
Um modelo simples de projeção do emprego, assumindo queda do PIB de 4% este ano, indica que o emprego recuaria algo como 1,5%-2%. Pode parecer pouco, mas não é. Será algo marcante, se confirmado.
Alguns indicadores do mercado de trabalho dão uma dimensão do que está por vir. Há sinais de precarização do emprego, de maior desocupação dos chefes de família e o setor de serviços, o que mais emprega, começou a demitir.
Tem ocorrido aumento do trabalho por conta própria, representando quase 20% do emprego total nas regiões metropolitanas, retornando aos patamares de meados de 2005, enquanto o emprego com carteira mostra tendência (suave) de retração.
No emprego com carteira, as admissões caíram em 3,8 milhões em 2015, uma cifra recorde na série iniciada em 1995. O movimento é generalizado entre as faixas salariais, mas com queda mais modesta dos chamados horistas, com renda inferior a 1 salário mínimo. Mais um sinal de precarização do mercado de trabalho.
Os desligamentos diminuíram em 2 milhões, mas aqui é importante ponderar que o fenômeno não reflete menor disposição do empregador de demitir, mas sim postura mais conservadora do trabalhador, que vinha trocando de trabalho como forma de aumentar sua remuneração, bem como simplesmente usufruir dos benefícios das leis trabalhistas e da generosa seguridade no período de desocupação – abono, seguro desemprego, num período em que a probabilidade de se recolocar rapidamente era elevada.
Esse movimento é, naturalmente, mais frequente nas faixas salariais mais baixas, entre 1 e 5 salários mínimos, onde a relação custo-benefício do desligamento voluntário pode ser vantajosa.
A elevada rotatividade da mão-de-obra tende, portanto, a se reduzir por conta da piora das condições no mercado de trabalho.
Liquidamente, foram fechadas 1,6 milhão de vagas em 2015, um recorde. A novidade é que o setor de serviços e o comércio estão no campo negativo, com fechamento de 564 mil vagas. São os setores que mais empregam (em torno de 75% do emprego privado com carteira), o que pode significar grande mudança no mercado de trabalho este ano. Com a queda de vendas e faturamento em curso, o mais provável é que este movimento ganhe fôlego ao longo de 2016. Enquanto isso, a indústria e a construção civil aceleram o fechamento de vagas diante da contínua contração desses setores.
Outro indicador que preocupa muito é o aumento da desocupação entre chefes de família. Nas regiões metropolitanas, houve aumento de 68% na média de setembro-novembro de 2015 em relação ao mesmo período de 2014. Algo inédito na série iniciada em 2002. Até o ano passado, vinha ocorrendo queda na desocupação de chefes de família, o que permitiu a saída outros membros do mercado de trabalho. Agora, a reversão. Por este aspecto, é bastante provável que a procura por trabalho aumente entre jovens e mulheres, pressionando a taxa de desemprego (em torno de 9%), que caminha rapidamente para dois dígitos.
A inflexão do PIB, que passou a encolher, iniciou-se em meados de 2014, mas só em 2015 ganhou impulso, a ponto de fazer empregadores reavaliarem seus gastos com a folha. Assim, a inflexão da ocupação (Pnad Contínua com ajuste sazonal) é mais recente, no segundo trimestre de 2015, dada a defasagem (aparentemente não muito longa) do ciclo do emprego em relação ao ciclo do PIB.
O ajuste no mercado de trabalho é recente, estando ainda nos estágios iniciais do ciclo, com os indivíduos buscando saídas pela informalidade e trabalho por conta própria. No conjunto, os indicadores não são nada bons, principalmente pelas demissões em serviços, até recentemente inexistentes, e de chefes de família.
Enfim, há um conjunto de informações que indicam um importante ajuste do mercado de trabalho este ano, podendo haver descontinuidades ou saltos nas taxas de desemprego.
Tentativas do governo de estimular a demanda agregada, elevando o risco fiscal, serão ineficazes para conter o desemprego e poderão agravar o quadro, tendo em vista os já deteriorados indicadores fiscais e os elevados riscos inflacionários.
Seria mais adequado partir para medidas que flexibilizem as relações trabalhistas, como a MP da terceirização proposta pelo PMDB, cuja tramitação está parada no Senado, e eliminar a proteção de alguns mercados.
Caso houvesse maior flexibilidade no mercado, com jornada de trabalho mais flexível, fim de barreiras à entrada em certos mercados de trabalhadores autônomos e menor rigidez salarial em termos reais, o custo do ajuste do mercado de trabalho poderia ser menor. Ajustes salariais robustos no atual momento de contração da economia mais atrapalham do que ajudam.
O País, no entanto, parece desconectado da realidade dos fatos.
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