Crise, recessão e desemprego são palavras que atormentam o dia a dia do brasileiro. Cinco anos de crise econômica deixaram marcas profundas em todo o Brasil. Nas ruas das cidades do País, as lojas fechadas com placa de aluga-se multiplicaram-se e não há sinais visíveis de que há empreendedores dispostos a investir nesses pontos vazios – foram mais de 200 mil lojas fechadas no País nesse período de crise.
Na indústria, o quadro também é desanimador. Depois que a recessão ficou para trás, no final de 2016, a recuperação gradual da atividade econômica no ano seguinte até trouxe esperança de dias melhores para o setor. Mas foi só um suspiro. Em 2018, com a demanda ainda fraca, a crise na Argentina – que prejudica as exportações – e o efeito da greve dos caminhoneiros, nada menos que 40% dos segmentos industriais fecharam em crise, segundo dados do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). E nada indica que haverá uma retomada este ano.
O lado mais visível desse quadro é o desemprego. Em todo o País, são 13,4 milhões de pessoas sem trabalho, segundo os dados do IBGE. Desse total, 25% estão há pelo menos dois anos em busca de uma nova vaga. Boa parte deles, cada vez com menos esperança de encontrar. Somados os desempregados, as pessoas que trabalham menos do que gostariam (os subutilizados) e aquelas que desistiram de procurar emprego por achar que não encontrariam (os desalentados), o número supera os 28 milhões.
Algumas pessoas, entretanto, conseguiram, nestes últimos cinco anos em que o País mergulhava no que parece ser um poço sem fundo e oscilava entre a recessão e o crescimento econômico medíocre, escapar desta situação.
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Neste período, para se reinventar os personagens que expõem suas histórias ao Estado contaram com a sorte e com muita coragem, aliados da necessidade de continuar seguindo em frente, apesar das adversidades. Empurrados pelo desemprego, dois buscaram no empreendedorismo a saída; outro, também desempregado, optou por se reinventar no mundo dos aplicativos e o último é um empresário que quebrou no meio da crise, mas conseguiu dar a volta por cima e abriu uma nova empresa.
Nilo Valverde
Em meados de 2014, quando o País entrava na pior recessão da história, o engenheiro eletricista Nilo Valverde, de 54 anos, foi demitido, depois de 24 anos de trabalho na rede Globo: “Foi um choque, perdi o chão.”
Após a demissão, o engenheiro chegou a fazer o currículo para tentar se recolocar na função. Houve até o início de sondagem de uma emissora concorrente, mas a conversa não avançou. Valverde conta que, na época, um amigo comentou que perto da sua casa, em Osasco (SP), havia uma franquia Sodiê. A loja, que vende bolos, estava sempre cheia. O amigo sugeriu que ele abrisse uma franquia.
No começo, Valverde achou a ideia de franquia interessante porque investir num negócio formatado seria mais seguro. Mas produzir e vender bolos não soava como algo promissor, já que ele próprio nunca tinha comprado um bolo. No entanto, diante da necessidade de encontrar um novo trabalho, decidiu visitar as lojas da marca. Pelos relatos de franqueados, constatou que poderia ser um negócio lucrativo.
Dois meses depois da demissão, Valverde resolveu empreender. Reuniu todas as economias, cerca de R$ 700 mil, e investiu na loja de bolos. A franquia deu sinal verde para a instalação da loja no Jardim Angela, na periferia de São Paulo. Na época, diz, a sua preocupação era saber se conseguiria vender bolo confeitado num bairro de classe C. Mas a preocupação acabou quando vieram os bons resultados. Desde que inaugurou a loja em março de 2015, o faturamento é crescente.
Com uma equipe de 12 pessoas entre confeiteiros e atendentes, produz e vende duas toneladas de bolos por mês. O engenheiro consegue tirar mais que o dobro do salário que ganhava quando era empregado. Ele já recuperou o investimento e só está aguardando a aprovação do franqueador para abrir a segunda loja.
Andréia de Almeida Felice
Enquanto o País oscilava entre recessão e baixo crescimento, algumas pessoas conseguiram contornar o desemprego. A contadora Andréia de Almeida Felice, de 45 anos, casada e mãe de dois filhos, não se arrepende de ter aberto o próprio negócio em 2015, durante a crise. Na época, ela lembra que a sua mãe foi contra o projeto de ter uma franquia de cafeteria e achou uma “loucura” aplicar as economias no empreendimento. “Foi um risco que agradeço muito porque, graças a Deus, deu muito certo”, afirma.
A mudança de ramo não foi por acaso. Ela veio com fim de um emprego de 15 anos, que ocorreu por conta da crise. Andréia trabalhava como contadora de um escritório multinacional de advocacia. Quando voltou da licença maternidade da filha, hoje com 6 anos, foi surpreendida com a dispensa. “Fui demitida no começo de 2014, quando estava pintando a crise. Daí fiquei sem rumo.”
Pelo longo tempo de casa, Andréia recebia um salário razoável, mas também trabalhava muito. “Tinha horário para entrar, mas não para sair”, diz. Uma vez por semana trabalhava aos sábados e não era raro gastar cerca de três horas, de carro, no deslocamento de casa em Santo André (SP) até o trabalho, na capital paulista.
Depois da demissão, começou a fazer bicos como fotógrafa e viu sua renda cair 70%. Daí foi atrás de abrir o próprio negócio. Na época, teve conhecimento de franquia Sterna Café, que atuava em prédios comerciais, só de segunda a sexta.
Andréia identificou a oportunidade de abrir uma loja dentro da sede CVC, em Santo André, a seis quadras da sua casa. Ela investiu R$ 150 mil na cafeteria que desde a abertura o faturamento não para de crescer. “Vendo 4 mil salgados por mês, além de refeições”, conta.
Em um ano, conseguiu recuperar o investimento. A renda com a cafeteria é de 30% a 40% maior do que na época que era funcionária. No momento, a ex-contadora está pronta para abrir a segunda cafeteria, com recursos próprios.
Thiago Fernandes
Quando o carioca Thiago Fernandes, de 34 anos, foi demitido de uma loja roupas em que trabalhava como vendedor no Rio de Janeiro, em 2015, a queda nas vendas já dava sinais claros de que algo não andava bem na economia. Nos meses seguintes, o Brasil mergulharia na recessão – da qual ainda não se recuperou por completo. “Quase ninguém ficou livre da crise. As pessoas estavam preocupadas em economizar e a gente via a comissão pelas vendas caindo.”
Fora do emprego no comércio, ele resolveu começar a trabalhar como motorista de aplicativos para manter as contas da casa e os dois filhos. “Por um lado, já tinha vontade de deixar aquele emprego. Queria muito poder trabalhar por conta própria e ser meu próprio chefe. Foi até um empurrão.”
Com o tempo, o que Thiago passou a ganhar com as corridas por aplicativo virou a principal fonte de renda da família. “Como as corridas são sempre pagas por cartão de crédito, acabo recebendo uma vez por semana e sempre tenho o suficiente para me manter. Só falta conseguir tirar férias”, diz.
Ele conta que teve de se reinventar. “O mercado de trabalho entrou em momento tão ruim, que mesmo os trabalhadores mais jovens, como eu, tiveram dificuldade de se recolocar profissionalmente. Quem estava tentando voltar a trabalhar precisou se reinventar, muitos acabaram só conseguindo um salário bem abaixo do que ganhavam antes.”
Hoje, como motorista do aplicativo Cabify, ele conta que já consegue ganhar o dobro dos R$ 3 mil que recebia por mês no antigo emprego. Com a renda, consegue também pagar um plano de saúde para a família e recolher o INSS, como autônomo.
“Como eu já tinha um carro e gostava de dirigir, vi uma oportunidade de voltar para o mercado de imediato. Sei que a maior parte das pessoas que foram afetadas pelo desemprego e ainda não conseguiu se recuperar. Mas acabei tendo sorte. No fim, saí melhor da crise do que tinha entrado.”
Dionisio Agourakis
Em setembro de 2014, no início da crise, o administrador Dionisio Agourakis, de 31 anos, virou um empreendedor de tempo integral. Ele investiu R$ 200 mil numa empresa que produzia software: “Era como se fosse uma fábrica de software, os clientes especificavam o que queriam e a gente fabricava”. Depois, Agourakis decidiu padronizar o produto. Criou softwares prontos para as áreas de educação e restaurantes, que eram vendidos no mercado.
Mas, em meio a um cenário de crise, o negócio não foi para a frente. Com orçamento apertado, as empresas não compravam os softwares que, na maioria das vezes eram inadequados às necessidades das companhias. No final de 2016, Agourakis decidiu fechar a empresa, demitiu os funcionários e foi fazer uma autocrítica do negócio.
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Segundo ele, além da crise, a outra razão do insucesso foi que os clientes queriam uma solução para os seus problemas, não um sistema padronizado. “A restrição de recursos por conta crise nos forçou a repensar o negócio e sermos mais assertivos e focados”, diz.
Em 2017, Agourakis decidiu voltar ao mercado, agora com a J!Quant, uma empresa baseada em duas frentes: ciência de dados e a criação de algoritmos (fórmulas matemáticas) sob medida para resolver problemas específicos enfrentados pelas companhias. Com a nova empresa, o administrador diz que está conseguindo melhores resultados: dobra o faturamento a cada seis meses.
Para abrir a companhia ele não precisou fazer um grande desembolso. Por conta da demanda crescente dos clientes, os projetos foram se pagando. O pulo do gato, diz, foi que a empresa passou a fazer o que sabia “no momento certo com o produto certo”. “Antes o meu software era mais caro do que o outros e entregava uma coisa que os clientes não queriam.”
Na nova etapa, além de ter uma equipe menor, ele conseguiu ampliar o número de clientes e setores. “Tenho 15 clientes, a maioria grandes multinacionais.”
Fonte: “Estadão”