Despesas com pessoal crescem, em rota de colisão com Lei de Responsabilidade Fiscal
Uma escalada nas despesas com pessoal tem sido realizada por 22 dos 27 governos estaduais nos últimos anos. A prática põe muitos em rota de colisão com a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), criada em 2000 para tentar controlar os gastos públicos. Mato Grosso e Roraima registram o maior crescimento da folha de pagamento do Executivo. Há cinco anos, os dois estados comprometiam entre 30% e 33% da sua receita corrente líquida com o pagamento de salários e aposentadorias. Em 2012, esse patamar já estava em mais de 40%. Há estados, porém, em situação mais preocupante: eles ultrapassaram o limite máximo definido por lei para gastos com salários e aposentadorias ou estão muito próximos de fazê-lo.
O alerta vermelho da LRF soou em seis estados em 2012. Tocantins, Sergipe, Rio Grande do Norte, Paraná e Alagoas entraram no que a legislação considera zona de risco, situação em que o limite de gasto com pessoal compromete mais de 46,55% do orçamento. Já a Paraíba está hoje na lista negra da LRF: ultrapassou o patamar máximo permitido (49%) para despesas com a folha de pagamento (chegando a 49,83%) e pode sofrer punições, como não receber recursos federais ou contrair empréstimos.
Nem no auge da crise econômica mundial, em 2009, quando as arrecadações do setor público sofreram quedas devido ao desaquecimento da economia, essa relação entre folha de pagamento e orçamento foi tão preocupante. Naquele ano, apesar de todas as adversidades, o número de estados que extrapolaram os limites da LRF foi menor (quatro). Para especialistas em finanças públicas, o cenário inspira cuidado e pode ser sinal de descontrole fiscal.
Em cinco estados, esforço para gastar menos
No período 2007 a 2012, apenas cinco governos estaduais reduziram o peso da folha de pagamento nas contas públicas. Um deles é o Rio Grande do Norte, que, apesar de estar no grupo de risco, tem se esforçado para controlar as despesas. Em 2007, o gasto com pessoal correspondia a 50% do orçamento; em 2012, foi de 48%.
Os dados reunidos pelo GLOBO são dos relatórios de gestão fiscal enviados pelos governos estaduais ao Tesouro Nacional a cada quadrimestre. As prestações de contas mostram que há outros estados candidatos em potencial a engrossar a zona de risco.
Santa Catarina é um deles. O governo estadual rompeu no início de 2013 a barreira de segurança da LRF, chegando a 47% da receita corrente líquida comprometidos com pessoal. O secretário da Fazenda, Antonio Gavazzoni, atribuiu a escalada à queda da arrecadação decorrente de desonerações tributárias, como a da conta de luz anunciada pelo governo federal.
— Neste ano tivemos o impacto da redução do ICMS na tarifa de energia, o nosso principal tributo. Houve uma queda de cerca de R$ 30 milhões por mês. Além disso, fizemos uma política de valorização dos salários. Mas a arrecadação não respondeu como esperávamos — afirmou.
Em Roraima, onde foi verificado o maior crescimento de folha de pessoal nos últimos cinco anos, o governo atribuiu o incremento à estruturação da máquina administrativa.
— O estado é novo. Vai completar 25 anos, e estamos em fase de expansão dos serviços. Esse aumento é resultado do processo de reestruturação de cargos e carreiras em curso. Mas todo e qualquer crescimento é acompanhado de um rigoroso acompanhamento financeiro. Os limites da LRF estão sendo respeitados — disse a secretária de Administração, Gerlane Baccarin.
O GLOBO entrou em contato com o governo de Mato Grosso, segundo estado que mais aumentou a despesa com pessoal, mas não teve retorno. A Paraíba, que já ultrapassou em 2012 o patamar de gastos permitidos, também não comentou o caso.
Situação pode ser ainda pior, afirmam especialistas
A situação fiscal dos governos estaduais pode ser pior do que retratam os relatórios de gestão encaminhados pelos próprios estados ao Tesouro Nacional, avaliam especialistas em finanças públicas. O economista Darcy Francisco, autor do livro “A crise das finanças estaduais”, diz que a falta de definição pelo governo federal sobre o que pode ser incluído como gasto com pessoal tem levado a prestações de contas que não refletem a realidade.
— O governo do Rio Grande do Sul, por exemplo, tira os pagamentos a título de pensões dos relatórios. Essa é uma despesa representativa, mais de 20% dos gastos previdenciários. Com isso, o gasto com pessoal apresentado acaba ficando menor, e o balanço vira um jogo de números — afirma Francisco.
O economista diz que até hoje um dispositivo da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que prevê a criação de um Conselho de Gestão Fiscal com a responsabilidade de padronizar os critérios para a prestação de contas, entre outras funções, nunca foi regulamentado.
— Hoje quem dita qual é a regra são os Tribunais de Contas dos Estados (TCEs), que costumam ter uma folha de pagamento onerosa — acrescentou Francisco.
Também especialista em finanças públicas, José Roberto Afonso cita o governo do Esatado do Rio como outro exemplo dessa distorção. Segundo Afonso, o estado exclui dos balanços a despesa com aposentados. A prática já foi motivo de polêmica no passado. Nos relatórios, o Rio aparece como o estado com o menor percentual de gasto com pessoal — 29% da receita corrente líquida em 2012.
Afonso atribuiu o crescimento dos gastos com folha de pagamento nos últimos anos a um “afrouxamento” do controle fiscal nos estados.
— O que acho que explica a piora nos indicadores é o afrouxamento da política fiscal dos estados endossado pelo Tesouro Nacional, que começou a liberar crédito sem garantias de aumento de investimento por parte dos estados como contrapartida. Antes, os governo estaduais se esforçavam para fazer poupança e, com recursos do próprio orçamento, aplicar em investimentos. Mas, como estão conseguindo hoje aval do Tesouro para contrair empréstimos, eles estão usando o dinheiro que antes aplicavam em investimento em custeio, sendo boa parte deles com a folha de pessoal — explica Afonso.
“Maioria dos estados está liberando gastos”
Para ele, 2013 pode ser um ano ainda mais complicado por causa das desonerações tributárias aprovadas recentemente, como a que reduz o ICMS da tarifa de energia.
— A tendência este ano é a receita ficar estável ou até cair. O mais prudente seria ter mais moderação nas despesas com pessoal, diante desse cenário. Mas acho que a grande maioria dos estados está liberando os gastos — afirma Afonso.
O professor de Economia da Universidade de São Paulo (USP) Adriano Biava chama atenção para um outro aspecto.
— Antes de aumentar a estrutura com contratações, a responsabilidade no uso dos recursos públicos passa por uma gestão eficiente dos quadros de que se dispõem. Os recursos humanos precisam ser mais bem aproveitados. Isso é um problema crônico no setor público. E a fiscalização disso cabe à sociedade — defendeu Biava.
Fonte: O Globo
Folha de pagamento nunca foi e nunca será o que causa desequilíbrio.
Incapacidade administrativa sim.