Sabemos que os grandes desequilíbrios no regime previdenciário se encontram no setor público. As grandes injustiças também.
Mas há problemas também no RGPS (Regime Geral de Previdência Social), a previdência dos trabalhadores do setor privado.
Argumenta-se que a razão pela qual o RGPS tem apresentado déficit é que a crise econômica produziu enorme desemprego.
Se o desemprego caísse para 6%, a receita cresceria R$ 30 bilhões. Não seria suficiente para zerar o déficit de R$ 56 bilhões do RGPS urbano observado em 2018, já devolvendo as renúncias fiscais.
Adicionalmente, aquele argumento supõe que a taxa de desemprego de 6%, observada em 2013 e 2014, representava equilíbrio macroeconômico.
Naquele biênio, o câmbio estava valorizado, e, portanto, o déficit externo não era sustentável em longo prazo. Além disso, apesar de a inflação ter rodado a 6,5% no período, os preços de inúmeros serviços de utilidade pública e dos combustíveis e, novamente, o câmbio estavam artificialmente contidos.
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Ou seja, no biênio 2013 e 2014 a economia não apresentou equilíbrio macroeconômico sustentável.
Se considerarmos que a taxa de desemprego caia para 9% –que parece ser o equilíbrio possível hoje–, a arrecadação do sistema sobe uns R$ 15 bilhões.
Há pessoas que dizem que o sistema está equilibrado pois o valor dos benefícios, em razão da elevada contribuição, corresponde a uma aplicação financeira que rende em termos reais 3% ao ano. Ou seja, os critérios de elegibilidade e valor do benefício do RGPS correspondem a uma aplicação financeira de rendimento real de 3% ao ano.
Há vários problemas com esse argumento. Primeiro, trabalho recente de Luís Eduardo Afonso, publicado na Revista Brasileira de Economia do primeiro trimestre de 2016, documenta que o benefício da aposentadoria apresenta taxa de retorno real de 5,32% por ano, bem maior do que os 3%.
Segundo problema, aquela conta não leva em consideração os demais benefícios do RGPS, como, por exemplo, auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e pensão por morte.
Terceiro, essa maneira de analisar o equilíbrio de um regime previdenciário considera que o RGPS funciona como um sistema de capitalização. Nosso sistema previdenciário é de repartição: os ativos contribuem para custear os benefícios dos inativos. Os recursos não foram investidos e, portanto, não foram capitalizados em alguma aplicação financeira ou em algum ativo real.
Se o nosso sistema fosse de capitalização, a taxa de poupança doméstica nacional teria sido muito maior, e as taxas de juros, muito menores. Olhando a realidade chilena, provavelmente de 2% ao ano.
Por outro lado, no sistema de repartição, o equilíbrio é essencialmente determinado pela demografia e pela idade média de concessão do benefício de acordo com critérios de elegibilidade, e não pela taxa de retorno implícita pelo sistema.
A razão de dependência de nossa sociedade, isto é, a população trabalhadora (entre 20 e 64 anos) como proporção da população idosa, é de 13%, ou seja, 7,5 trabalhadores potenciais para cada inativo.
Se, com essa razão de dependência relativamente baixa, o sistema apresenta problemas e por muitos anos registra déficit ou superávit pequeno, é sinal de enormes desequilíbrios. Um sistema de repartição com essa demografia deveria ser extremamente superavitário.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 12/05/2019