O Brasil chegou ao fim de 2015 com o primeiro registro de aumento na desigualdade desde a virada do século. No período de 2001 a 2014, o índice de Gini brasileiro – um cálculo usado para medir a desigualdade, onde, quanto mais perto de zero, melhor – recuou, em média, 0,006 ponto ao ano. No quarto trimestre de 2015, em relação ao mesmo período do ano anterior, houve um aumento de 0,008 ponto. Parece pouco, mas o dado indica a reversão de uma tendência que vinha sendo comemorada nos últimos anos.
Os cálculos são do ex-ministro Marcelo Neri, diretor do FGV Social e professor da Escola de Pós-Graduação em Economia (EPGE) da Fundação Getúlio Vargas. Um dos principais estudiosos da ascensão da classe C, ele foi ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos no primeiro governo de Dilma Rousseff,e também comandou o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). “O Brasil estava nessa reta de redução da desigualdade e agora teve uma reversão dessa tendência pela primeira vez no século”, disse.
O índice de Gini é medido numa escala de 0 a 1, sendo 1 o máximo de desigualdade. Nos cálculos de Neri, o índice de Gini no Brasil saiu de 0,596, em 2001, para 0,515, em 2014, mas interrompeu a trajetória de redução no último trimestre de 2015, ao subir para 0,523.
Os cálculos foram feitos com base em microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, apurada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e divulgados na última quinta-feira.
Renda. A desigualdade cresceu com queda na renda média geral. As contas de Neri mostram que a renda per capita obtida de todas as fontes crescia, em média, 3,3% ao ano de 2001 a 2014. Também no quarto trimestre do ano passado houve uma ruptura,e a renda per capita caiu 2,2% na comparação com o mesmo trimestre de 2014. Se levado em consideração apenas o rendimento obtido do trabalho, a queda é ainda mais acentuada, de 3,24%.O resultado obtido de todas as fontes foi amortecido pelas transferências do governo, que aumentaram no período. “O gasto público com os mais pobres diminuiu, como as transferências para o Bolsa Família, mas a despesa com a Previdência aumentou”, disse Neri.
O pesquisador faz a ressalva de que os primeiros anos da série histórica contêm informações apenas da Pnad anual, coletada em apenas um mês de cada ano. Os dados da Pnad Contínua, cuja série histórica começa em 2012, foram acrescentados recentemente. O levantamento leva em conta também informações de registros administrativos,como o INSS.
“O bem-estar da população está sofrendo dos dois lados. Houve uma diminuição do bolo e maior desigualdade da distribuição”, resumiu Neri.
Mercado de trabalho. Segundo o pesquisador, a deterioração no mercado de trabalho foi a principal responsável pelo aumento na desigualdade e redução na renda. “O principal fator de queda da renda das pessoas foi o trabalho, e o principal atenuador foi a Previdência. Dentro da renda obtida do trabalho, houve impacto do aumento no desemprego e da queda no salário”, disse.
Embora a ocupação não tenha recuado muito, aumentou a procura por emprego, e os salários ficaram menores. “A Pnad de 2014 foi surpreendentemente boa. A Pnad Contínua vinha mostrando uma manutenção. Não tinha melhora, mas não tinha reversão, o que era surpreendente, porque a situação da inflação e da atividade econômica no País já estava bem ruim”, concluiu.
Fonte: “O Estado de S. Paulo”, 23 de março de 2016.
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