O juiz Sérgio Moro tem razão quando afirma que a punição de corruptos é condição necessária, mas não suficiente para combater a corrupção. A punição dos “jogadores” é moralmente importante, mas são as “regras do jogo” que realmente distinguem os países corruptos dos não corruptos.
Governança, transparência e controle das políticas governamentais são elementos essenciais para coibir o malfeito. Importante também limitar o poder discricionário dos governantes, que é enorme em um país como o Brasil, com o Estado tão intervencionista.
As mesmas recomendações que servem para combater a corrupção ajudam também a elevar efetividade e eficiência das políticas públicas; de investimentos às concessões de benefícios sociais e ao setor produtivo. O ganho é, portanto, duplo, além de se evitar distorções causadas por políticas públicas descalibradas.
As brechas a serem fechadas não são apenas para a corrupção, mas também para atitudes oportunistas e desonestas de indivíduos e empresas, como na evasão fiscal e nas fraudes.
Apesar de o brasileiro se julgar honesto (apenas 3% se assumem corruptos, segundo pesquisa do Data Popular), é inacreditável a lista de fraudes para acesso indevido a recursos públicos.
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Segundo a imprensa, a Receita Federal bloqueou o acesso de cem mil empresas ao Simples, pois estas se valeram de abatimentos irregulares para reduzir o imposto a pagar. Houve discrepâncias em 1,6 milhão de declarações entregues nos últimos cinco anos, o que representa uma sonegação em torno de R$ 1 bilhão, sendo que cerca de 7 milhões de empresas estão no Simples.
O mesmo se repete nas políticas sociais. O governo tem tomado providências para corrigir o problema. Um exemplo é a atuação do Comitê de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas Federais (CMAP), que elaborou diversas medidas que resultaram em uma economia anualizada da ordem de R$ 5,7 bilhões. Isso foi possível pelo fortalecimento da governança de programas como auxílio-doença e aposentadoria por invalidez (R$ 2,7 bi), Bolsa Família (R$ 1,4 bi), Benefício de Prestação Continuada – BPC (R$ 0,6 bi) e Fundo de Financiamento Estudantil – FIES (R$ 1 bi). O potencial de economia é ainda maior.
Assim, como se não bastassem as distorções produzidas por alguns programas – o abono salarial, por exemplo, deveria ser extinto –, eles ainda funcionam mal. O resultado é sua perda de foco, como mostra o recente trabalho do Banco Mundial.
O BPC, que é um benefício no valor de um salário mínimo para pessoas com deficiência e idosos com renda familiar per capita de até ¼ do salário mínimo, alcançou 4,4 milhões de pessoas em 2016. O Banco Mundial estima que apenas 12% dos recursos vão para os 20% mais pobres, enquanto os 20% mais ricos recebem 19%.
Para os 40% mais pobres vão 31% e os 40% mais ricos, que não seriam elegíveis, 43%.
O quadro se repete na aposentadoria rural: 2% para os 20% mais pobres e 10% para os 20% mais ricos. Considerando os 40% mais pobres, 24%, enquanto os 40% mais ricos, que nada deveriam receber, consomem 32% dos recursos.
No abono salarial, para trabalhadores com carteira assinada que recebem até dois salários mínimos, o resultado foi: 10% dos recursos para os mais pobres e 14% para os mais ricos. Para os 40% mais pobres vão 34% dos recursos, e os 40% mais ricos, 39%.
No seguro-desemprego, dos 7 milhões concedidos no ano passado, 43 mil eram suspeitos de fraude.
Há ainda os casos de pessoas que recebem vários programas: Bolsa Família e também o abono salarial ou o seguro-defeso ou ainda são microempreendedores individuais.
Não surpreende que parcela da sociedade pouco se esforce para estudar e trabalhar.
É importante admitirmos nossas fraquezas e compreendermos que o caminho para uma sociedade mais honesta está no fortalecimento das instituições.
Os EUA fizeram esse caminho com reformas institucionais, deixando para trás o passado de corrupção e confusão entre o público e o privado.
A boa notícia é que estamos lentamente construindo este caminho.
É inacreditável a lista de fraudes para acesso indevido a recursos públicos.
Fonte: “O Estado de S. Paulo”, 23/11/2017.
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