Boas notícias são tão raras em Pindorama, que sempre vale a pena destacá-las.
A Lei 13.726, publicada no Diário Oficial da União da última terça-feira (9), é um alento para os brasileiros. A partir de agora, na relação entre o cidadão e o poder público, é dispensada a exigência de autenticação de documentos, reconhecimento de firma e a apresentação de uma série de documentos como certidão de nascimento.
Em substituição à autenticação de documentos, caberá ao agente administrativo atestar a autenticidade mediante a comparação entre o original e a cópia. Quando não for possível fazer a comprovação de regularidade da documentação, o cidadão poderá firmar declaração escrita atestando a veracidade das informações. Em caso de declaração falsa, haverá sanções administrativas, civis e penais.”
Ao contrário das nações que desenvolveram sociedades avançadas, fundadas em padrões morais onde prevalece a confiança, muitas de nossas instituições (formais e informais) foram estabelecidas em função da desconfiança. Que o digam muitas das nossas leis, inclusive essas que exigiam autenticações e reconhecimentos de firma.
Certa vez tentei explicar a um inglês o que vem a ser uma cópia autenticada e o porquê da sua exigência ser tão disseminada no Brasil. Parecia uma conversa de surdos. Meu interlocutor não entendia que as pessoas pudessem desconfiar da autenticidade de um documento antes mesmo que este lhes fosse apresentado. Sequer lhe passava pela cabeça que a palavra do portador ou responsável não bastasse. Que dizer a ele então sobre o famigerado atestado de residência? Nem tentei.
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Graças a essas instituições cujo âmago é a desconfiança permanente, a honestidade é vista por aqui como exceção, não como regra, e por isso deve ser sempre provada e comprovada, mesmo que o indivíduo, por seu comportamento e antecedentes, não dê causa a dúvidas. Por outro lado, a fraude é tida como um hábito, uma tradição, e por isso acaba incorporada à própria lei.
O problema, como explica Walter Williams, é que a primeira linha de defesa da sociedade não é a lei. São os valores, princípios e tradições cultivados pela maioria das pessoas, construídos e sedimentados ao longo de séculos, como forma de regular o comportamento humano, que as fazem se comportar de forma decente, mesmo quando ninguém está olhando. As leis nunca poderão substituir as restrições informais de conduta pessoal numa sociedade que se quer civilizada, simplesmente porque jamais haverá policiais suficientes para vigiar todo mundo o tempo todo. Na melhor das hipóteses, a polícia e o judiciário são as nossas últimas linhas de defesa.
Segundo Alain Peyrefitte, “o elo social mais forte e mais fecundo é aquele que tem por base a confiança recíproca – entre um homem e uma mulher, entre os pais e seus filhos, entre o chefe e os homens que ele conduz, entre cidadãos de uma mesma pátria, entre o doente e seu médico, entre os alunos e o professor, entre um devedor e um credor, entre o empresário e seus funcionários – enquanto que, inversamente, a desconfiança esteriliza.”
“A sociedade de desconfiança“, prossegue Peyrefitte, “é uma sociedade temerosa: uma sociedade na qual a vida em comum é um jogo de soma zero ou até negativo (“se tu ganhas, eu perco”); É uma sociedade propícia à luta de classes, à inveja social, ao fechamento, à agressividade, à vigilância mútua.”
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