Os profundos desafios socioambientais no Brasil e no mundo demandam mais do que a ação de governos e da tradicional iniciativa privada para serem solucionados. Áreas como saúde, educação, serviços financeiros e meio ambiente exigem métodos de financiamento inovadores que, além do lucro, tenham por objetivo impactar positivamente a sociedade; são as chamadas finanças de impacto. Este pensamento já é uma realidade e só tende a crescer no país, acredita Fábio Colletti Barbosa, membro do Conselho da Fundação das Nações Unidas e da Força Tarefa de Finanças Sociais (FTFS) – grupo criado para promover negócios de impacto social no Brasil. “Os jovens têm uma cabeça mais voltada para a questão social, ambiental e ética do que as gerações anteriores, e isso vai se transformar em critério de investimento dos seus recursos”, diz.
Em 2014, de acordo com o Instituto de Cidadania Empresarial (ICE), dos R$ 457 bilhões disponíveis para a área social no Brasil, R$ 13 bilhões foram alocados por meio de mecanismos de finanças sociais. Em 2020, o objetivo do ICE – do qual Barbosa também faz parte -, é que este número chegue a R$ 50 bilhões. Em conversa com o Instituto Millenium, o empresário explica que os investimentos e negócios de impacto não devem ser confundidos com filantropia, porque mesmo concentrados em populações vulneráveis e de baixa renda, dão retorno financeiro. O desafio atual, porém, é conseguir mensurar os reais impactos desses investimentos e encontrar empresas que estejam adequadas a receber esta modalidade de investimento.
Leia a entrevista:
Instituto Millenium – O que são negócios e investimentos de impacto socioambiental?
Fábio Barbosa – Existe uma nova tendência por parte dos investidores, especialmente das gerações mais jovens, de olhar os investimentos sob um novo ângulo. Não é apenas o foco no resultado, que obviamente continua sendo relevante para quem faz um investimento, mas também de ver se determinado tipo de investimento está causando impacto social. Refiro-me, por exemplo, à inclusão social, atingir segmentos de baixa renda, atendimento médico para populações carentes, acessibilidade para pessoas com deficiência; seja lá qual for o propósito daquela empresa.
Imil – As pessoas às vezes confundem com filantropia…
Barbosa – Não é filantropia, não se trata de você ficar no “mundo do ou”: ou eu ganho dinheiro com investimento ou eu caso impacto social. É a ideia do “e”: é fazer um investimento que dê retorno e cause impacto na sociedade. Um bom exemplo disso são os planos de saúde que atendem pessoas de renda mais baixa e são investimentos rentáveis para aqueles que participam da empresa, ou se não, também a questão de atendimento médico como consulta que visa atender pessoas com um custo mais baixo. Isso é inclusão social. Este tipo de coisa é o investimento de impacto.
Imil – E essa modalidade de investimento já é relevante para a economia mundial? E no Brasil?
Barbosa – No exterior, é crescente o potencial e o número de fundos exclusivamente voltados para a questão de impacto. No Brasil tem crescido, mas a dificuldade hoje está mais em como qualificar uma empresa para que ela cause impacto social. A gente nota uma mudança por parte do investidor, pois eles querem saber que destinação está tendo sua poupança e que impacto esse investimento causa na sociedade, o que é muito positivo, mas existe uma dificuldade de encontrar projetos que se enquadrem. Por isso está havendo mobilizações para saber como mensurar esse impacto social ou ambiental, como assegurar que ele está acontecendo. Ainda não é um volume gigantesco, mas os números têm crescido na Europa e EUA; e no Brasil já há fundos exclusivamente voltados para isso. A tendência é de crescimento, os jovens têm uma cabeça mais voltada para a questão social, ambiental e ética do que as gerações anteriores, e isso vai se transformar em critério de investimento dos seus recursos também.
Imil – A necessidade de conciliar mais interesses, como o de uma comunidade, é um obstáculo para o desenvolvimento deste tipo de negócio?
Barbosa – A solução para que se crie uma sociedade com oportunidades para todos não pode ficar apenas na mão do Estado, o setor privado tem muito a fazer e já faz muito com os seus investimentos, crescimento, empreendedorismo e tudo o mais. O que nós estamos falando agora é da sociedade olhar os investimentos com um terceiro olhar, um olhar não apenas sobre fazer a coisa corretamente e de forma rentável, mas também de olhar o impacto que isso causa. Então, na verdade, não existe conflito, o que existe é uma demanda da sociedade. Assim como as questões de meio ambiente e respeito ao consumidor vieram aos poucos e hoje tomaram conta do mercado, a questão do investimento social está vindo aos poucos mas será predominante para o mercado. Não é conflitante, pelo contrário, soma-se às outras tantas iniciativas que estão criando empregos e agregando valor para a sociedade.
Imil – Os benefícios dos investimentos de impacto socioambiental podem ser sentidos em curto prazo?
Barbosa – No caso dos investimentos de impacto social, os benefícios têm que ter duas naturezas. Primeiro tem que haver retorno financeiro, porque senão seria filantropia – o que é fundamental, mas uma outra vertente. E tem que ser medido também qual o impacto que causa, ou seja, qual o número de pessoas que passaram a ser atendidas por um plano de saúde que é mais barato; qual o número de empregos criados que deram acesso às pessoas com deficiência; qual o impacto ao permitir que pequenas empresas possam ter sua contabilidade feita por um sistema barato com foco em inclusão social e que flexibilize e formalize negócios. É uma miríade de alternativas que existe para a inclusão, para trazer para a sociedade pessoas que normalmente ficam à margem dos investimentos porque não eram vistas como rentáveis. Temos que medir isso e essa é uma grande questão. Hoje existem mais pessoas interessadas em investir em projetos que causem impacto social do que empresas já qualificadas para receber esse dinheiro.
Imil – Para o senhor, quais as áreas sociais, no Brasil, que carecem mais desse tipo de investimento?
Barbosa – Definitivamente educação e saúde. O Brasil é um país, de certa maneira, cruel que marginaliza parte da sua sociedade e nós precisamos, através do crescimento econômico, desenvolvimento e educação, fazer a inclusão social. E certamente na educação e na saúde existem muitos espaços para incorporar um grupo maior do que se atende atualmente.
Ouça a entrevista no player abaixo