O espetáculo deplorável de votação à presidência da Alta Casa legislativa é o retrato da decadência institucional brasileira. Para além das críticas, o fato abre espaço para discutirmos a valia e efetividade do sistema bicameral vigente. Será que precisamos de uma casa parlamentar na qual uma senadora, em gesto de traquinagem infantil, pega uma pasta de documentos oficiais e sai em disparada birrenta? Mas o que é isso? Haverá limites para a falta de decoro e desrespeito aos mais comezinhos princípios da honra política? Será essa a serventia do Senado da República?
Não, senhoras e senhores, definitivamente, não. E nada melhor do que vencer a triste opacidade atual, lembrando um exemplo de inigualável brilhantismo político. Em 3 de dezembro de 1982, Paulo Brossard proferiu histórico discurso de despedida da tribuna senatorial, vindo a lembrar a lição do bom e velho Rui no sentido de que “a liberdade e a democracia começaram a recuar, têm recuado enormemente, e recuam sempre, sob o domínio de instituições, que, pelo seu nome, pela sua consagração, pela experiência de sua índole noutros climas e com outros povos, nos iludiram com a esperança de resultados bem diversos”.
A sentença faz pensar. Infelizmente, ainda há instituições que seguem a iludir os cidadãos, ludibriando o valor e a força da democracia. O povo vota, mas não manda. Enquanto os órgãos representativos forem uma farsa, os eleitores não passarão de escravos com direito a voto. Aliás, a jogada do poder foi inteligentíssima; como não podia mais usar a senzala, garantiu a liberdade no papel, ampliando o número de cativos na prática. Sim, hoje muitos votam, entregando o poder para poucos que pouco fazem pelo bem dos muitos. Nesse paradoxo democrático, só a autoridade moral das instituições pode refrear as intenções bestiais dos poderosos.
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Portanto, o Senado deveria ser alto, intemerato e modelar, servindo de palco para os grandes debates políticos nacionais. Aliás, não faltam temas e assuntos urgentes, mas são cada vez mais raros os homens e mulheres com autêntico espírito público superior e com capacidade de transpor pequenezas individuais em nome da grandeza do Brasil. Assim, não é à toa que o tempo corre, mas a nação desce.
Aqui chegando, o diagnóstico é reto: quando as melhores personalidades se ausentam da vida pública, a política se ajoelha para a mediocridade, perdendo a responsividade necessária à solução dos complexos desafios da contemporaneidade. Dessa forma, a melhora qualitativa do corpo político é um condição essencial para o resgate da credibilidade instrumental da democracia. Se continuar a ser mais do mesmo, o Senado acabará sem nada. Ironicamente, talvez seja a solução. Afinal, por que custear duas casas que, no fim, não têm o valor de uma?