A pandemia do coronavírus está mudando hábitos e restringindo a circulação de pessoas em aglomerações em todo o mundo. No Brasil, este cenário não é diferente. E uma das instituições que já estão sendo afetadas por esta questão é o Congresso Nacional. Com uma agenda de reformas e propostas importantes para destravar a economia do país, o Poder Legislativo precisou adotar medidas restritivas. Para explicar e tentar entender como será daqui para frente, o Instituto Millenium conversou com Humberto Dantas, doutor em Ciência Política pela USP e coordenador do Master em Liderança Pública do Centro de Liderança Pública (CLP); e com o administrador e consultor Eduardo Lemos. Confira!
Na manhã desta terça-feira (17), a Câmara anunciou que está estudando a realização de votações virtuais durante o estado de emergência na saúde pública. Os deputados querem realizar um projeto de resolução que permita votações remotas especificamente em temas relacionados à saúde, economia e proteção social. Segundo o presidente da Casa, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), a medida será limitada a temas de consenso relacionados ao surto, com votações simbólicas, sem necessidade de plenário cheio.
Em entrevista ao Instituto Millenium, Eduardo Lemos, que é assessor parlamentar e traz impressões sobre os bastidores da política na série “Nossos Olhos em Brasília”, do Instituto Millenium, disse que ainda não há uma plataforma especificamente definida para o Sistema de Deliberação Remota.
“O que está em debate é como os trabalhos devem continuar, com as medidas restritivas. Algumas especificidades como o meio em que vão acontecer as deliberações. O público continuará tendo conhecimento disso, pelas plataformas oficiais da Câmara, com conexão por áudio e vídeo, mas não há informações de como isso vai funcionar nem como estará disponível”, informou.
De acordo com Eduardo Lemos, o clima em Brasília é de tensão e apreensão com os efeitos do novo coronavírus. “No Congresso Nacional, o movimento também é bem menor, com vários deputados fazendo trabalho domiciliar e orientando seus assessores a trabalharem da mesma maneira. Além disso, há alguns congressistas diagnosticados com a doença”, disse. O senador Nelsinho Trad (PSD-MS), que acompanhou o presidente Jair Bolsonaro na recente viagem aos EUA; e o deputado federal Cezinha de Madureira (PSD-SP) testaram positivo para o COVID-19.
Os trabalhos no Congresso
Apesar da possibilidade de votação virtual para projetos de consenso relacionados ao COVID-19, a expectativa é de uma paralisia no Congresso Nacional. Nesta terça-feira (17), audiências públicas foram canceladas, bem como reuniões de Comissões, sem a previsão de reagendamento. “As decisões estão sendo tomadas a cada dia. A Comissão do Marco Legal de Startups, que está discutindo medidas de estímulo e desenvolvimento para essas empresas no Brasil, está fazendo a primeira audiência pública 100% online da Câmara dos Deputados. Vários grupos de parlamentares estão tomando medidas para que os trabalhos não parem, e isso é importante, pois há várias medidas do Executivo que precisam de deliberação”, disse Eduardo Lemos.
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De acordo com ele, o que se comenta é que as propostas contra a crise apresentadas pelo Ministério da Economia e que dependem de deliberação do Congresso devem ser apreciadas. Eduardo Lemos disse que a questão de deliberação remota tem o objetivo de acelerar a aprovação destas medidas. “No entanto, com relação aos trabalhos do Congresso, a expectativa é que a gente tenha uma pausa, sem a discussão de matérias não relacionadas ao novo coronavírus, seguindo de uma maneira imprevisível”, disse.
O doutor em Ciência Política, Humberto Dantas, destacou que é importante compreender como o Congresso vai funcionar dentro deste novo contexto. A “Casa do Povo”, de acordo com o especialista, vai deixar de fazer jus ao nome, pelo menos no que tange à abertura ao público e ao andamento da pauta. “Não podemos imaginar a lógica de circulação normal dentro da Câmara e do Senado neste momento. Esse é o grande desafio, principalmente, pois, quando se fala em funcionamento do Congresso, nos lembramos das imagens de quando o Parlamento está cheio, com parlamentares se aglomerando próximo aos microfones, entre outras situações”, disse.
Dantas lembrou a dimensão das Câmaras Legislativas: só na Câmara Federal, há 513 deputados, mais os assessores. A segunda maior Casa em número de deputados é a Assembleia Legislativa de São Paulo, que congrega 94 deputados estaduais. No entanto, a maior parte das Câmaras Municipais tem um número bem mais baixo de vereadores, indo de nove a 11 representantes. “O importante é olhar e perceber a diferença dos tamanhos”, disse.
Agenda de reformas
Neste cenário, a agenda de reformas, que já caminhava lentamente, também deverá ser prejudicada. A chegada do COVID-19, de acordo com Humberto Dantas, é mais um ponto de interrogação. “Já trabalhamos com um horizonte restrito de tempo, por conta dos recessos brancos relacionados às eleições, às festas juninas e eventos como as Olimpíadas, que sempre reduzem o ritmo do Congresso Nacional. Agora, há esse fenômeno, restringindo o presente. Vai sobrar pouco tempo no ano legislativo do país”, disse.
O que esperar dos nossos políticos?
No meio dessa crise e com a possibilidade de uma paralisia da agenda legislativa, uma dúvida surge na sociedade, já descrente das instituições no Brasil: o que esperar da classe política? A CEO do Instituto Millenium, Priscila Pereira Pinto, abordou o assunto, e destacou que os nossos representantes devem atuar como treinadores, apresentando a melhor estratégia, de uma forma macro. No entanto, a sociedade tem um papel importante para vencer o jogo, principalmente em casos graves como a pandemia do novo coronavírus.
“Política não é para ser uma profissão, mas a pessoa que se considera um político e está em cargo público deixou a sua vida particular para tentar resolver problemas. O político ideal é aquele que vai servir sua comunidade, seu Estado e o seu país pensando nisso, com soluções baratas – afinal, quem paga essa conta são os contribuintes. Milagres não acontecem, mas os políticos podem dialogar com a academia, formar comitês e grupos de debates com outros líderes. Também deve conversar com o setor privado, que tem uma parcela de responsabilidade na solução dos nossos problemas e muitas vezes apenas esperam a solução do governo, o que também está errado”, analisou.
De acordo com Priscila Pereira Pinto, não dá para focar em problemas individuais ou em questões menores. “Os problemas internos, imediatos e pequenos devem ser solucionados pelo cidadão, por conta própria. A pessoa deve buscar as soluções individuais. Não é o político que vai resolver tudo de uma hora para a outra”, afirmou.