Não são poucas as famosas frases que explicam o Brasil e a América Latina. Nelson Rodrigues diria que o subdesenvolvimento brasileiro não é improvisado, mas sim uma obra de séculos. Já Roberto Campos ficou marcado por constatar que o liberalismo e o capitalismo não fracassaram na América Latina, mas simplesmente nunca deram o ar de sua graça. O fato é que faltam reformas estruturais e econômicas no País há muito tempo.
A burocratização excessiva do cotidiano brasileiro somada aos altos encargos tributários e regulatórios marginalizam qualquer iniciativa que possa se firmar no mercado formal. Ou seja, de tantas licenças, certificados, impostos e carimbos, o cidadão brasileiro muitas vezes acaba se refugiando na informalidade.
Em se tratando de habitação, a informalidade corresponde à irregularidade do imóvel, seja casa ou terreno, em relação ao proprietário. E, naturalmente, áreas ocupadas irregularmente estão diretamente relacionadas a essa informalidade, como no caso de centenas de favelas ao redor do Brasil.
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A informalidade do imóvel, por sua vez, traz uma série de consequências que condenam seu morador a condições precárias. Sem a formalização do lote, a pessoa não pode ter um endereço para a sua casa. E isso implica na impossibilidade de a companhia de saneamento básico investir com segurança jurídica, de a Prefeitura empenhar verba do orçamento público para a urbanização da área (como asfalto na rua), ou mesmo de a companhia da luz instalar estrutura de iluminação pública. E os efeitos negativos ainda manifestam-se pela impossibilidade de abertura de conta no banco sem um outro endereço de familiar ou amigo (para o comprovante de residência), o recebimento de boletos e contas pelo correio e até mesmo a relação sucessória da herança do lote de pai para filho.
Contudo, regularizar propriedades hoje em dia não é tão simples assim. Por definição da legislação, a competência de atuação para regularizar áreas ocupadas recai sobre o município. Mas o grande problema está justamente no caráter limitante dessa ação: somente a Prefeitura pode atuar na regularização fundiária em áreas de interesse social (leia-se: “áreas mais pobres”). Isto é, caso a Prefeitura não tenha orçamento para custear o projeto de regularização – como ocorre hoje na maioria dos casos -, as pessoas continuam com suas casas e seus imóveis irregulares.
Está na hora de trazer a lógica de mercado para a regularização fundiária. Garantir a escalabilidade da regularização fundiária não será por meio do orçamento público, e sim por alternativas que possibilitem o autofinanciamento da comunidade, o custeio alternativo e não dependente do Poder Público. É exatamente o que fez a cidade de Nova Lima, em Minas Gerais.
Mediante alteração de lei municipal, Nova Lima permitiu a regularização fundiária de suas comunidades sem que o processo dependesse de verba pública. E a solução funciona como um grande condomínio onde cada família responsável por um lote passa a pagar uma parcela de valor modesto durante período de médio a longo prazo. E essa parcela pode inclusive financiar não apenas o processo documental da regularização fundiária, como também a instalação de infraestrutura básica (água, esgoto, drenagem e iluminação pública) e, por fim, a indenização ao proprietário original da área ocupada.
Regularizar a propriedade privada é uma pauta urgente e necessária ao liberalismo brasileiro. Pautar a regularização fundiária é condição básica para deixarmos as condições medievais em que vivem 100 milhões de brasileiros.