Os movimentos econômicos são cíclicos: há uma alternância histórica entre períodos de prosperidade e períodos de recessão, e a duração e a intensidade entre bonança e tormenta são definidas pelas causas que as originaram assim como pelas medidas escolhidas para tentar reverter tais ciclos. No processo, é normal e natural que a riqueza mude de mãos (é destruída para alguns e construída para outros) e os vencedores são sempre aqueles que conseguem perceber os sinais disruptivos com antecipação.
Num cenário de mercados globalizados, sejam financeiros, de crédito ou mesmo produtivos, é impossível que um movimento recessivo ou de estímulo em alguma parte não afete as outras peças do tabuleiro. O termo “efeito-borboleta”, cunhado por Edward Lorenz em 1963 para explicar a sua Teoria do Caos, nunca foi tão válido e perturbador quanto agora. Tomando-se como base somente o breve século XXI, já são dois os exemplos de “contaminação” global causadas por crises regionais. Em 2001-2002, o risco de default da vizinha Argentina preocupou os mercados financeiros globais, que viam nos países com fundamentos econômicos semelhantes também uma fonte de riscos (incluindo o Brasil, sendo que tal percepção foi ainda agravada pelas incertezas sobre a orientação econômica que seria dada pelo partido à frente nas pesquisas de intenção de votos naquele momento, saísse ele vitorioso do pleito eleitoral que se aproximava). Já em 2008, com o mercado de crédito imobiliário nos Estados Unidos destroçado e depois de anos de uma “farra criativa” que culminou na criação de instrumentos financeiros que impediam um dimensionamento minimamente razoável do potencial destrutivo da crise (basicamente, uma “securitização” em cadeia), o risco sistêmico fez-se valer e os mercados caíram, um a um, sendo que até hoje, 10 anos depois, alguns países ainda sofrem os efeitos da crise que foi considerada a pior de todos os tempos.
Existem novos sinais de nuvens negras no horizonte. No início de Fevereiro, depois de acumular uma valorização expressiva em 2017, a bolsa de Nova York teve vários pregões de queda violenta, num forte movimento de ajuste de expectativas e realização de lucros. Depois de vários anos de taxas de juros próximas de zero, economia em pleno emprego e aumento real na renda (gerando pressão inflacionária), muitos investidores já acreditam que esse ciclo possa não ser mais sustentável, o que obrigaria o Federal Reserve a aumentar as taxas de juros. Há ainda um outro elemento que aumenta a complexidade do cenário: a administração Trump, sob a máxima do “America First” e com uma reforma tributária que deve turbinar os ganhos do setor privado às custas de uma queda na arrecadação pública, deve agravar ainda mais a situação do déficit fiscal, por muitos já considerado fora de controle. A título de curiosidade, os Estados Unidos precisam tomar emprestados 300 bilhões de dólares somente nessa semana (dentro uma estimativa de uma necessidade de captação total de 1 trilhão de dólares em 2018), que serão somados à dívida pública atual de 20 trilhões de dólares. Trump arrisca ao querer estimular uma economia que já se encontra no equilíbrio de pleno emprego, agravando a pressão inflacionária e acendendo uma luz vermelha sobre o tamanho da dívida pública americana.
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Ainda sob o mantra do “America First”, Trump já coloca em prática uma série de barreiras comerciais que têm o potencial de causar ainda mais danos à economia americana. Em cadeias produtivas globalizadas e interconectadas ao extremo, especialmente no caso dos países desenvolvidos, barreiras comerciais costumam traduzir-se em custos mais elevados para as empresas domésticas, gerando ainda mais pressão inflacionária (de custos). Pior do que isso, a guerra comercial iniciada por Trump tem o potencial de criar um clima de total incerteza nos mercados. Robert Shiller, um dos ganhadores do Prêmio Nobel de Economia de 2013, advertiu na semana passada que a guerra comercial em curso pode criar uma atitude de “esperar pra ver” nos agentes econômicos. Tal atitude pode ser potencialmente ainda mais danosa do que as próprias tarifas comerciais, pois impactaria a confiança para a tomada das decisões de investimento, acentuando ainda mais a recessão, uma vez que as empresas se planejam não somente para o presente, mas também para o futuro.
Saindo de um ciclo de crise que nos assolou por 3 anos, o Brasil encontra-se numa situação nada favorável dentro do cenário global. Com uma das economias mais fechadas do mundo, um setor industrial sucateado, uma infraestrutura em condição calamitosa (agravando o problema do Custo Brasil), baixíssima produtividade e sem estímulos ao investimento, estamos numa posição altamente vulnerável caso a guerra comercial global de fato se intensifique. O comércio exterior é uma alavanca de extrema importância para o crescimento econômico brasileiro além de ser um vetor de equilíbrio para o nosso balanço de pagamentos. Num cenário de guerra comercial, o Brasil pode ser uma das economias mais prejudicadas caso não saiba aproveitar as oportunidades que se apresentam, dentre elas uma aproximação comercial com a União Europeia e a chance de melhorar sua importância relativa comercial frente à China (que, ao retaliar as importações provenientes dos EUA, pode encontrar no Brasil um forte aliado comercial). Com a nossa lentidão legislativa em função do processo eleitoral que se aproxima, nova turbulência política ao redor do presidente Michel Temer (que corre o risco de ser denunciado pelo Ministério Público pela terceira vez ainda antes do final do seu mandato) e total paralisação da agenda de reformas que vinha sendo trabalhada até então, nossos prognósticos não são animadores. Ao contrário, podemos novamente ser vítimas de uma “contaminação” global capaz de nos colocar outra vez num ciclo recessivo. Será uma nova crise mundial? Talvez ainda seja cedo para tomar tal conclusão e talvez os sinais ainda não sejam tão fortes e evidentes. Porém, na dúvida, o melhor é começar a agir.