O Supremo Tribunal Federal (STF) começa a julgar nesta quinta-feira (17) um tema polêmico e que pode mudar os rumos da Operação Lava Jato: a validade das prisões após condenação em segunda instância. Três Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC) defendem que as prisões aconteçam apenas após trânsito em julgado, ou seja, ao final de todo o processo, retornando ao entendimento que era válido na Suprema Corte até o ano de 2016.
Em entrevista ao Instituto Millenium, o advogado especializado em Direito de Estado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Sebastião Ventura, explicou que o Supremo pode alterar os seus entendimentos, diante de novos anseios sociais e novas circunstâncias, mas isso não deve acontecer a todo o momento, de forma casuísta. “O STF é uma instância que procura salvaguardar a segurança jurídica no Brasil, e só há segurança jurídica com previsibilidade de conduta e estabilidade nas decisões. Então, essas variações feitas no calor dos acontecimentos ou baseadas em pressões de setores da sociedade acabam desestabilizando, fazendo surgir na coletividade que a Corte muda de entendimento conforme a mudança dos ventos, e isso é algo inadmissível”, disse.
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Na visão de Ventura, em nenhum momento o preceito constitucional segundo o qual “ninguém será condenado até trânsito em julgado” impede o início da prisão após o julgamento em segunda instância. “O inciso 61, que versa sobre a possibilidade de prisão, diz que ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente”. Então, a questão de fundamentar se haverá prisão após condenação em segunda instância se trata de política judiciária. Não há qualquer empecilho que obste o imediato recolhimento de algum condenado após a condenação em segundo grau”, afirmou.
O especialista ainda criticou o momento da decisão, que pode libertar, entre outros condenados por processos decorrentes da Operação Lava Jato, o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva. “Nós estamos diante de um caso que requer a interpretação de dispositivo constitucional ou o real objetivo desta nova interpretação? Será que nós vamos repetir o erro do passado ou vamos promover uma ordem condicional que quer combater o crime em todas as suas formas, em especial daqueles que usam o cargo político para cometer atos de corrupção e, dessa forma, comprometer a ética do regime democrático?”, questionou.
O jurista José Eduardo Faria reforça que a questão refere-se a uma cláusula pétrea da Constituição, que diz que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado. No entanto, o especialista também destacou a insegurança jurídica gerada pelas mudanças frequentes de entendimento sobre pontos constitucionais. “Essas alterações levam a uma situação de tremenda insegurança jurídica, agravada pelo fato de que, entre os possíveis beneficiários, pode estar um ex-presidente da República que está preso. Há, ainda, uma discussão paralela sobre o efeito que isso pode causar se eventualmente o Supremo mude de entendimento. Alguns ministros dizem que não vão autorizar a saída de homicidas ou estupradores. É uma situação esquizofrênica do ponto de vista jurídico”, destacou.
Atualização das regras é o caminho
Mas como fazer com que o sistema judiciário fique mais eficiente e com regras previsíveis? Para Faria, a primeira alteração a ser feita é a mudança das leis penais. “Nosso Código Penal e o Código de Processo Penal são da década de 1940. Naquela época, para se ter uma ideia, o Brasil tinha 68% da população rural e 32% da população urbana; e, hoje, 90% da população é urbana, em uma sociedade industrial de massa, sem relação nenhuma com o que acontecia. A legislação é completamente desatualizada, sem nenhuma compatibilidade com uma sociedade dinâmica e conflitiva”, disse.