Mais uma vez, o Supremo está na ribalta; o momento exige reflexão. É lição antiga que a grandeza de um tribunal está na autoridade de suas decisões e, não, na truculência dos seus procedimentos. Foi, então, que o impensável aconteceu: um órgão de imprensa restou castrado em sua plenitude de expressão, sendo forçado, por ato judicial sumaríssimo, a retirar do ar matéria jornalística supostamente ofensiva e desabonatória à honra de um supremo magistrado. Isso tudo, frisa-se, em época de aparente normalidade democrática…
Ora, o assunto é inegavelmente sensível e delicado.
Em uma ordem constitucional juridicamente justa, não há direito absoluto, devendo as regras e princípios fundamentais conviverem na harmonia do possível, através de ponderações e sopesamentos à luz das dinâmicas circunstâncias da realidade pulsante. Logo, a liberdade de imprensa é plena, mas não é livre para violar ou atingir impunemente a honra alheia. Em outras palavras, o direito de informar não é uma carta de alforria para a irresponsabilidade jornalística. Há limites, modos e maneiras.
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Todavia, no Estado de Direito, as reações não se fazem à mão grande. A busca de eventual reparação por danos à imagem ou intimidade pessoal devem – sem qualquer exceção – obedecer os incontornáveis imperativos do devido processo legal. E a lei aplica-se a todos, sejam eles supremos ou ordinários. A legalidade é um instrumento de proteção do povo e, não, uma fonte de subversão do poder. Afinal, autoridade desmedida é autoritarismo prático.
Lembrando o bom e velho João Mangabeira, a dignidade da justiça não se ergue com “tribunais de empreitada”. Aliás, já passamos por isso para nunca mais reviver o arbítrio dos interesses bestiais. No curso do processo civilizatório, homens e mulheres de bem pagaram com suas vidas e liberdade o alto custo da arrogância estatal desenfreada. Sim, o abuso e a arbitrariedade são convidados indigestos; não pedem licença para entrar e demoram para sair. No entreato da escuridão, as instituições caem e as pessoas sofrem. Dito isso, não podemos abrir a mínima brecha para a estupidez das pretensões, desimportando de onde venha e contra quem quer que seja.
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A hora, portanto, exige máxima proteção da Lei Maior da República. Sem cortinas, a invocação de regra regimental para abrir inquérito sem capa, sujeito a aleatórias pretensões intempestivas, traduz preocupante ato temerário e constitucionalmente vil. Vamos ser claros: não se combate “fake news” com censura, pois só o poder da verdade é capaz de aprisionar a mentira. No mais, medidas de força geralmente revelam fraqueza institucional, pois o temor é a antítese da razão.
O fato presente faz ecoar a história. Certa vez, inconformado com a censura oficial, o grande Adaucto Lucio Cardoso jogou a toga sobre a cadeira e saiu do plenário do Supremo para nunca mais voltar. A bravura e independência do ilustre jurista mineiro já se foram, mas seu exemplo fica para iluminar a Corte em tempos tão extravagantes.