A lei, no Brasil, é barata demais. E é barata porque há um excesso de oferta. Temos leis para tudo e qualquer coisa, mas, paradoxalmente, nosso grau de eficácia da legislação é baixíssimo. Tanto é verdade que temos um surto litigioso nos tribunais, o que demonstra uma legalidade de pouca adesão social e diminuta capacidade de regramento coletivo. Sim, a obesidade legislativa é uma doença institucional brasileira. Aliás, quanto maior a minudência da lei, mais alto é o seu custo de efetividade.
Por exemplo, uma lei trabalhista cheia de fricotes e rapapés é um convite à informalidade e, por assim ser, prejudicial à realização do pleno emprego. Ou seja, ao invés de proteger o trabalhador, a lei passa a ser um empecilho à contratação. Da mesma forma, uma lei tributária complexa e tortuosa é uma fonte de inadimplência fiscal com o requinte de multas impagáveis. Depois, ficam se perguntando o porquê de reiterados programas de recuperação de ativos, quando bastaria um sistema tributário simples, equilibrado e de fácil contabilização. Moral da história: uma legislação barata acaba custando caro ao país.
Ora, é urgente encerrarmos o ciclo deletério da inflação legislativa.
Com o Plano Real, aprendemos que, um dos pressupostos do crescimento econômico, é o equilíbrio monetário. Por sua vez, é impossível o surgir de uma cultura de legalidade efetiva com uma babilônia de leis descumpridas. Aliás, a fúria legislativa acaba sendo um fator determinante na implosão das contas públicas. Isso porque, na vã tentativa de fazer valer o mar normativo vigente, acabamos por inchar a burocracia estatal, criando uma multiplicidade de agências e órgãos desencontrados com o consequente aumento explosivo dos custos correntes em funcionalismo e suas fundas repercussões previdenciárias.
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Portanto, está mais do que na hora de iniciarmos um amplo projeto institucional de racionalização e simplificação normativa. Não se trata de reduzir direitos, mas apenas de se garantir a efetividade da lei, através de fórmulas legislativas pragmáticas, lógicas e possíveis. Sem cortinas, a lei não pode servir para utopias políticas nem para projetos populistas de poder. Afinal, não existe nada mais danoso para o sentimento de justiça do que mentiras fantasiadas em leis de faz de conta.
Sabidamente, a escassez é uma forma de valorização de artigos. Por assim ser, se quisermos ter protagonismo histórico, não podemos mais seguir com uma legislação de latão. É claro que regras de ouro não se fazem da noite para o dia, mas, quando feitas, duram uma vida inteira. Além de maior estabilidade e eficácia interna, melhores leis sinalizarão um incremento da segurança jurídica no Brasil, ampliando nossas margens de captação de investimentos externos.
Por tudo, nosso arcabouço jurídico é arcaico e inorgânico, impedindo o país de participar com maior poder de fogo na dinâmica economia global. Aqui chegando, a mensagem é reta: leis baratas são fonte de pobreza social. Logo, é preciso dar valor às regras do jogo, pois são elas que moldam a força das instituições. Em linha científica propositiva, John C. Coffee Jr., professor da Columbia Law School e respeitadíssimo advogado americano, já sustentou que a forte intensidade no cumprimento da lei americana proporciona menores custos de capital e maiores valores mobiliários. Ou seja, eficácia legislativa é sinônimo de geração de riqueza social.
Dessa forma, temos que estancar a sangria legislativa brasileira, aperfeiçoando os mecanismos de enforcement públicos e privados. Nosso foco deve ser qualitativo-sistemático ao invés do quantitativo-periférico. Se a boa lei é uma arte, o excesso legislativo não passa de fútil e temerária banalização. E, enquanto a banalidade reinar, seremos um país pobre com injustiças absolutas.