O tabuleiro geopolítico mundial pulsa aceleradamente; trata-se da alvorada de uma nova ordem mundial. Os sinais saltam aos olhos: o Brexit e o desmoronar do bloco europeu; a retração da ONU e dos órgãos plurilaterais do pós-guerra; a ruptura da OPEP e o naufrágio do valor do petróleo; a releitura do papel econômico chinês frente a urgentes ameaças sanitárias, ambientais e de saúde pública; os movimentos silenciosos da Rússia para fomentar um bloco oriental com China e Índia (CRI); a retomada hegemônica americana, o fortalecimento do dólar e fim do expansionismo bélico de Washington. Na avalanche de acontecimentos, a ameaça do Coronavírus surge como estopim de profundos rearranjos globais.
Definitivamente, estamos a viver o tempo do equilíbrio instável: a mudança como constante. Nesse cenário dinâmico, o traçar de panoramas objetivos se torna tarefa complexa, pois variáveis definidoras podem cair em milésimos de segundo. No redemoinho das dúvidas, o incalculável impacto econômico da pandemia corrente, o uso massivo das reservas cambiais chinesas, o desabamento do valor do petróleo e o desmanche da comunidade europeia podem gerar estragos sem precedentes na economia global. Isso sem falar que é ano eleitoral nos Estados Unidos.
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Embora embrionário, o movimento das placas tectônicas parece indicar uma conformação de mundo aos flancos: de um lado, os EUA e Inglaterra, liderando o grupo ocidental e que potencialmente englobará o Brasil; do outro, China, Rússia e Índia, com primazia oriental e ampla vantagem demográfica. No meio, o decadente e endividado bem-estar europeu, que coloca Alemanha e França de joelhos diante das fundas assimetrias nacionais que compõem o velho continente. No fim do estamento, surge o Japão como possível ponta asiática do bloco americano.
O mundo, assim, caminha para um novo jogo de blocos extremos. As zonas centrais – tanto internas, como globais – afundam num labirinto de indecisões, anacronismos e impotências. O desafio é que, quando as convicções evaporam, as soluções de força ganham pressão. Portanto, antes de uma transição democrática, estamos vivendo uma vertical transformação civilizatória. Se positiva ou não, teremos que ver, vivendo. Todavia, as decisões políticas do hoje moldarão o acontecer do amanhã.
Quanto ao Brasil, nossos recentes movimentos diplomáticos indicam uma crescente aproximação com a Casa Branca. Mas não haverá almoço grátis. Historicamente, o Tio Sam é intransigente na defesa de seus interesses econômicos; acontece que a parceria com a China – imaginada e planejada pela inteligência superior de Henry Kissinger – parece estar em ponto de saturação, abrindo espaço para um redirecionamento estratégico americano com vistas a formação de uma nova zona comercial, o que, se bem conduzido, poderá ser benéfico ao Brasil. A questão é como negociaremos nossos valiosos termos de troca ou, se mais uma vez, aceitaremos sermos menos daquilo que devemos ser.
A urgência hora exige inovadoras inflexões sobre a realidade, pois as velhas soluções não funcionam mais. Os problemas do presente exigem inteligência criadora e ousadia política. Há um imenso greenfield de poder à deriva no mundo. As oportunidades são infinitas, mas os players são pouquíssimos. Na inércia tendencial de concentração dominadora, os extremos correm na frente, deixando ampla margem de composição central. Ao final, chegaremos a um novo equilíbrio. Mas até lá a instabilidade será a regra.