Desde o estrepitoso fim da União Soviética em 1991, muitos esperam que o imenso poder dos Estados Unidos também desmorone. E, ainda por cima, acredita-se que a crise americana e a crise europeia terminarão por levar o sistema capitalista a naufragar. Sem dúvida, como disse Armínio Fraga na conclusão de uma recente entrevista à “Veja”: “Os grandes blocos econômicos vivem dias dificílimos. É um quadro assustador, há muito risco no ar.” Mas as previsões catastróficas estão destinadas a falhar.
Em várias décadas na cena internacional, nunca vi os representantes dos Estados Unidos tão discretos e quase diria tão modestos em suas posturas.O país atravessa um mau momento. O número de pobres aumentou significativamente, especialmente engrossado por aqueles que perderam suas casas com a crise do mercado subprime de hipotecas e hoje moram em campings ou mesmo nos seus próprios carros. O mercado de trabalho, especialmente no setor público, demite mais do que contrata. A atividade econômica patina. O sonho americano está abalado, e a autoconfiança nacional caiu muito.
Na área política, creio que nunca houve um divórcio partidário tão agudo. Ilustrou-o o espetáculo do verão passado em Washigton, com a luta dos políticos em torno do orçamento federal e dos cortes nas despesas governamentais. O sistema político revelou-se disfuncional e, com isso, as principais instituições americanas (com exceção da Suprema Corte, mas incluindo o Congresso, a Casa Branca, os bancos) perderam credibilidade. Multiplicam-se os protestos contra as injustiças do capitalismo e contra os bancos. Em seis anos de vida nos Estados Unidos só uma vez vi um contestação tão vigorosa ao sistema como a que vai crescendo nas cidades americanas hoje com o movimento Occupy Wall Street. Foi num comício contra a Guerra do Vietnam em frente à ONU, em Nova York, quando até a bandeira vietcong tremulava, um inimigo contra o qual mais de quinhentos mil jovens americanos lutavam na Indochina.
Há igualmente uma deterioração surpreendente e profunda da União Europeia. Há apenas dois anos, quem pusesse em dúvida o futuro da instituição seria considerado um herético em Bruxelas. O fato é que, com 27 países, a União perdeu a consistência que tinha no início com apenas seis. Hoje, a maioria dos analistas acha que a União Europeia vai ter que passar por uma revisão ampla.
A Alemanha é única na Europa, tanto por seu tamanho quanto por seus valores. Um operário alemão é quatro vezes mais produtivo do que os demais todos. O país é, com a França, a força que resiste à desintegração do sonho de Adenauer e de Gaulle. Mas até quando os eleitores alemães deixarão Merkel e seu governo acudir aos desmandos da Grécia? Os esforços para resolver a atual crise esbarram em obstáculos formidáveis como, por exemplo, o despreparo dos bancos europeus que adquiriram papéis de países falidos e agora pedem para ser salvos, a imprecisão das estatísticas de muitos países europeus, o tamanho do setor informal das economias periféricas da Europa. Em outras palavras, mesmo soluções precisas (e já foram apresentadas diversas) têm que enfrentar situações imprecisas e, portanto, resultados duvidosos.
O risco maior no Velho Continente é que o processo de integração seja percebido como esgotado e ressurja o velho nacionalismo. Isto pode ocorrer, com os gregos por exemplo, pelo sentimento de que estão sendo obrigados a seguir regras que não podem cumprir e vêem seus modelos de vida serem varridos com o cortejo de desemprego e empobrecimento. Pode também acontecer, na Alemanha, se os eleitores chegarem à conclusão que estão sendo obrigados a fazer sacrifícios por países menores que não observam as normas comunitárias e tornam-se parasitas dos grandes. Seja como for, uma recaída nacionalista reabriria perigos que pareciam definitivamente exorcizados da Europa, até porque no nacionalismo está embutida uma visão menos favorável do vizinho.
O horizonte é sombrio neste momento. Mas não creio que haja base para decretar o fim do capitalismo, seja na sua vertente americana, ou pelo colapso da União Europeia. Parafraseando Mark Twain, os rumores sobre a morte do capitalismo são muito exagerados. Este sistema econômico tem uma imensa capacidade de recuperação. Ao longo da história, o capitalismo sofreu crises piores e revelou uma capacidade de superação enorme. O grande economista austríaco Joseph Schumpeter falava da destruição criativa como a mola mestra do capitalismo. É verdade que assistimos a uma reestruturação mundial do poder relativo, mas não à derrocada do capitalismo.
Mesmo porque não há no horizonte, nem em termos teóricos, uma alternativa que se sustente.
Fonte: O Globo, 20/10/2011
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