Por Renato Pacca e Fabrício Neves
Comparar as diversas versões da Wikipedia sobre determinados temas pode ser um interessante exercício. Tratando-se de uma enciclopédia virtual colaborativa, os mesmos verbetes, em línguas distintas (que não constituem necessariamente meras traduções), contêm diferenças mais ou menos sutis, que podem revelar diferentes pontos de vista.
Neste sentido, enquanto as versões em inglês, francês e espanhol indicam que a liberdade de imprensa, como corolário da liberdade de expressão, garante ao cidadão o direito de organizar-se, de escrever e publicar o que bem entender, sem a interferência do Estado, a versão em português maliciosamente modifica o conceito, ao mencionar que a liberdade de imprensa é um princípio pelo qual o Estado garante aos seus cidadãos a livre expressão, como se tratasse de uma benesse estatal.
Em seguida (em uma tradução marota do verbete em inglês, excluindo palavras que alteram o sentido da frase), afirma-se que cada governo tem competência para legislar em relação a esta matéria, “de forma a classificar os assuntos que devem ser do conhecimento público ou não, de acordo com os interesses governamentais”.
A deturpação é escandalosa, porém denota que ainda é preciso insistir e avançar no debate, até porque constantemente renovam-se as tentativas de controle da imprensa.
Atualmente, com a proliferação de blogs e redes sociais, todos podem expor sua opinião e escrever sobre os mais variados assuntos, porém reclama-se de tudo: da notícia dada, da notícia não dada, da preferência de determinada revista por uma linha política e econômica ou por outra, como se a liberdade de imprensa não trouxesse implícita também a liberdade de escolha entre o que publicar e o que não publicar, deixando ao público leitor e consumidor a escolha soberana para comprar o produto e formar sua convicção.
O Brasil possui uma imprensa livre, ainda que concentrada em poucos grupos (que competem entre eles, ressalte-se), com centenas de meios independentes e milhares de blogs e informativos na internet, todos tentando atrair e agradar a milhões de leitores e espectadores, que por sua vez exercem seu direito de escolha diariamente. A alternativa “democrática” não pode ser a substituição desse sistema por alguns burocratas encastelados em um órgão estatal, indicados pelos de sempre, com poderes “regulatórios”.
A cultura da plena liberdade de expressão – tão consolidada nos EUA e em outras democracias avançadas – permanece muito mal compreendida e exercitada entre nós. Na verdade, sua defesa não pressupõe a defesa dos interesses de jornalistas, editores ou donos de grupos de comunicação. Ela pressupõe, antes de mais nada, a defesa da independência intelectual de cada cidadão. A liberdade, em última análise, não é da imprensa, mas sim da expressão jornalística, que por sua vez sempre flui como um canal de livre manifestação da própria sociedade.
Fonte: O Globo, 06/05/2012
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