O grande assunto da semana que passou foi oferecido pelo sr. Abilio Diniz. Dadas as dimensões da pretendida compra do Carrefour pelo Pão de Açúcar, ou vice-versa, e suas desencontradas versões, é difícil saber se o sagaz empresário do comércio varejista deu um exímio golpe de mestre, que traria polpudos benefícios para si, para suas empresas e, alegadamente, para o Brasil ou se agiu como aprendiz de feiticeiro, despertando os milhares de vassouras dos seus milhares de lojas para uma revoada infernal que varreria para o limbo a sua portentosa fortuna. De qualquer forma, o destino dessa jogada é nebuloso. E, se Diniz é um bom jogador ou um grande perdedor, é assunto dele.
Para o público, foi muito preocupante o besteirol disparado a esmo por autoridades que não sabiam do que estavam falando. E a pressa com que o BNDES embarcou numa canoa justificadamente suspeita, da qual tacitamente desembarcou com sua segunda nota sobre o assunto.
As autoridades do governo se sentiram na obrigação de responder precipitadamente com pauladas ao que já consideravam como acusações, mas que nem sequer haviam sido claramente expostas. É a tática que foi inaugurada por Lula, num país cuja grande infelicidade é só uma: a desorganização e desorientação de suas governanças desde Sarney. Essa tática consiste em partir de porrete para cima dos adversários, imaginados ou reais, antes mesmo de saber o que é que eles estão dizendo. Para o governo brasileiro, é inaceitável qualquer exercício da chamada crítica construtiva ou qualquer manifestação de opinião contrária ao que ele quer fazer. As palavras “dos outros”, escritas ou faladas, têm de ser imediatamente abatidas a tiros, sejam quais forem.
O que a primeira pequena nota divulgada pelo BNDES dizia era apenas que o banco aceitara examinar, ou analisar, o pedido de aporte de alguns buzilhões de reais (ou euros) para ajudar na concretização de um negócio buziliardário entre o senhor Diniz e quem quer que sejam os donos do Carrefour.
É mais do que normal que uma operação gigantesca como essa, estipendiada por um banco do governo, levante indagações as mais diversas, com as mais variadas motivações. Os por quês? brotaram de todos os lados, de interessados e de desinteressados, mas com justíssima razão.
Imediatamente, o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel – que por sinal é também presidente do Conselho do BNDES -, partiu para vibrante defesa do pedido para concretização de um negócio que o banco disse ter aceitado “para análise”. Ou seja, antecipou-se à “análise” que o banco iria fazer e já aprovou o pedido, esquecendo-se de que apenas “está” ministro, não é diretor permanente do banco e não terá de responder por prejuízos que este sofra num futuro remoto por causa de negócios malfeitos.
A propósito, a nova ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, inaugurou, em linguagem semelhante, seu perfil na galeria do besteirol. Conforme suas palavras, entre aspas, no jornal Valor, ela achava que o dinheiro não é do povo brasileiro: “Isso é uma operação enquadrada (sic) pelo BNDES, não é uma operação de crédito do BNDES, portanto, não tem recurso público envolvido, nem FGTS nem Tesouro…”.
Eu, que era vivo e jovem quando o BNDES foi criado, por Getúlio Vargas, pela lei de 20 de junho de 1952, quase me arrependo de ter ficado velho bastante para ter de ouvir, ou ler, uma tolice deste jaez. Todo e qualquer dinheiro do BNDES, ou do BNDESPar, é recurso público, cara senhora Hoffmann – inclusive os lucros do BNDES, que devem ser judiciosamente aplicados em benefício principalmente do público.
Depois disso fica difícil entender por que ela foi saudada, na sua nomeação, como competente ex-diretora financeira de Itaipu e como especialista em gestão pública – vejam só.
Já o ministro fez questão de apontar as vantagens para o Brasil do conluio empresarial. O “grande objetivo” do governo seria estimular uma empresa brasileira a montar uma grande cadeia varejista internacional para colocar produtos brasileiros no mercado externo. Se fosse esse o objetivo do Pão de Açúcar, ele bem que poderia ter aberto muitas lojas no exterior, por conta própria, durante os anos em que usou seus lucros para comprar lojas de concorrentes no Brasil. Ademais, a empresa em questão seria francesa, e não brasileira. Assim, por que enfrentaria a ira de produtores franceses e europeus para “colocar produtos brasileiros” concorrendo com eles?
A questão é bem outra: governos do Japão, Coreia, China e até Índia levaram anos montando grandes conglomerados industriais e comerciais para explorar o mercado mundial. E tiveram sucesso. Algumas santas alminhas, no governo brasileiro, começaram, há anos, a falar tolamente em “criar campeões nacionais”. A ideia foi pegando. Outras alminhas, nada santificadas, do patriótico empresariado nacional, lobrigaram a chance de entrar nisso sem arriscar nada e sem gastar um tostão. Temos vários casos desses em andamento. Com o BNDES como patrono. O da semana passada é apenas mais um. Aonde essa festa vai dar é um bom exercício de imaginação…
Fonte: O Estado de S. Paulo, 04/07/2011
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