O Brasil está vivendo uma circunstância que é inadmissível. Uma parcela crescente dos cidadãos tem a percepção (equivocada) de que o país está predestinado a um desempenho medíocre na próxima década. O rebaixamento pela Standard & Poor’s reforçou esse pessimismo.
É quase consensual que, após a superação dos problemas atuais, a taxa de expansão anual do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil será de 2%, enquanto no resto do mundo, de 4%. A realidade conspira a favor dessa visão.
A cada semana que passa, as perspectivas da economia estão piorando. Há um ganho aqui e outro acolá, mas, na média, se observa um agravamento da situação do país e um encolhimento das projeções de crescimento para o curto, o médio e o longo prazos.
Vive-se uma sobreposição de crises – política, energética, de crédito, fiscal e até policial. O país parece que está num beco sem saída. Não é a primeira vez que isso acontece. Paradoxalmente, foi nesses momentos que o Brasil deu o salto para o futuro.
Um exemplo é a crise do café na década de 1930. O sentimento era, como é agora, de descrença geral. Mas acabou virando o trampolim para o início da industrialização, para as reformas de Getúlio Vargas e para um período de inclusão social e de crescimento – nos cinco anos depois da recessão, o PIB expandiu-se a 7% ao ano.
Na década de 1990, a hiperinflação, o baixo crescimento e o pessimismo eram dominantes. Mas, logo depois, veio a estabilização da moeda e se observaram avanços sociais e econômicos importantes.
Não é uma exclusividade brasileira, abundam exemplos de países, que, quando estavam no fundo do poço e sem perspectivas de melhoria, deram a volta por cima.
[su_quote]O Brasil perdeu oportunidades, mas continua com seu potencial grandioso[/su_quote]
Um caso recente, de um vizinho, é o Peru, que, após anos de problemas, também políticos, policiais e econômicos, começou a corrigir a rota. O resultado é um patamar de crescimento da ordem de 5% ao ano.
O Brasil perdeu oportunidades, mas continua com seu potencial grandioso, tem gente e recursos e pode compensar o atual prejuízo causado pela sobreposição de crises com uma expansão forte do PIB nos próximos anos.
Há dois componentes nos saltos de crescimento dados por países: ampla frustração com a realidade, que pressiona por mudanças, e uma política econômica ambiciosa.
Atualmente a desesperança da população é grande, isso é bom, pois é o propulsor de transformações; a dificuldade está nos projetos de futuro existentes, que são deficitários em ambição. Alguns exemplos nos três níveis de governo ilustram o ponto.
O Plano Diretor da cidade de São Paulo é um. Propõe adensar (mais construção por metro quadrado) certos bairros, em alguns casos com outorga onerosa. No curto prazo, ganha recursos a Prefeitura, no médio e no longo haverá mais congestionamentos e menos verde na metrópole.
Outro é o que acontece no Estado de São Paulo, que está com queda de arrecadação, que obriga a limitar investimentos. Mesmo assim, continua a oferecer gratuitamente cursos universitários em três faculdades estaduais, sem pedir nenhuma contrapartida em troca. São recursos do ICMS, que incidem mais nas classes de renda baixa e são destinados a pagar a faculdade de muitos alunos que são de poder aquisitivo elevado.
O plano “Brasil 2022” da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República é um exemplo emblemático. É um trabalho muito elaborado, que tem mais de cem metas, das quais só duas são reformas: a da política e a do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Resumindo, quer mudar sem mudar nada, não dá!
A “Agenda Brasil”, também conhecida com “Agenda anticrise”, divulgada pelo Senado Federal no mês passado, trata de algumas questões, mas está muito aquém do que é possível fazer.
O documento propõe ajustes no ICMS e no PIS/Cofins, o que é bom, mas são remendos, em vez de mudanças. Poderia apresentar um projeto de reforma fiscal ambiciosa, reduzindo o número de impostos e tornando a tributação mais simples, eficiente, transparente e justa.
O texto dos senadores propõe elevar a idade mínima para a aposentadoria, o que é necessário. É outra gambiarra. Uma proposta de mudança seria uma reforma previdenciária. A lista de distorções a serem eliminadas é extensa, e as origens de alguns dos problemas são de várias décadas de complacência dos governos.
Mesmo assim, o mérito de uma agenda conjunta do Senado Federal e do Ministério da Fazenda está em reduzir a incerteza sobre a direção a ser adotada pela política econômica. É um primeiro passo tímido, mas na direção correta de aumentar a sintonia entre os Três Poderes.
Poderia ser o início de um processo de construção de agenda do futuro. O documento original tinha 27 propostas, na segunda versão, o total subiu para 43. O foco está dado ao ajuste fiscal e à estabilização da relação dívida/PIB, para que o país não fique insolvente. Mas o desarranjo das contas públicas é consequência do déficit de ambição de futuro.
As barreiras para o desenvolvimento são muitas: pobreza, desindustrialização, financeirização, infraestrutura, burocracia, educação e volatilidade cambial, citando algumas. A capacidade de superação é maior ainda.
A sociedade brasileira está desorientada, em especial os políticos, de tanto acreditar que o país não tem solução, deixou de pensar numa à altura de sua capacidade de desenvolvimento e, com isso, está se autocondenando a ter um desempenho medíocre.
O Brasil não pode se tornar um país de idiotas; lembrando que, no sentido original, na Grécia Antiga, “idiota” designava alguém que se dedicava apenas a seus afazeres particulares, em oposição àqueles que se ocupavam de assuntos de ordem pública.
É necessário erradicar esse sentimento negativo de que o país deixou para sempre a oportunidade de ser o país do futuro. É hora de escrever uma agenda ambiciosa, do tamanho do potencial do Brasil.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 14/9/2015
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