O vice-presidente Michel Temer, sempre prudente e calculista, lançou um míssil contra o governo Dilma Rousseff. Em encontro com empresários e movimentos de oposição, Temer comportou-se como um analista político, e não como o companheiro de chapa de Dilma, ao dizer que a presidente dificilmente chegará ao final de seu mandato se mantiver a popularidade de apenas um dígito: “Hoje o índice (de aprovação) é realmente muito baixo. Ninguém vai resistir três anos e meio com esse índice baixo. Se continuar assim, 7% de popularidade, de fato fica difícil passar de três anos”.
Temer é uma raposa experiente. Suas declarações refletem a percepção do médico diante de um paciente terminal. O governo Dilma Rousseff apresenta um quadro de falência administrativa irreversível. Não tem volta. A renúncia seria a saída mais nobre, inteligente e menos traumática. O impeachment, à semelhança das dolorosas agonias, pode ter um desenlace demorado e sofrido.
A opinião pública está cansada do autoritarismo ideológico e da incompetência lulopetista. A máquina do governo está parada, o desemprego aumenta, o investimento sumiu. A crise econômica não tem precedentes. O pessimismo, com sua forte carga psicológica, amplia a gravidade do quadro. A sociedade quer virar a página. É por aí mesmo. Mas é preciso ir devagar com o andor. A saída de Dilma Rousseff dará uma oxigenada momentânea. Mas não significará, necessariamente, uma mudança substancial.
O modelo de governo de coalização e os personagens que compõem o cenário político brasileiro não são nada animadores. Sem uma reforma política profunda, não cosmética ou para acomodar interesses subalternos, tudo terminará em revolta, decepção e, talvez, em perigosa porta de entrada para aventureiros, oportunistas e autoritários. Hugo Chávez não foi fruto do acaso. Foi o resultado direto da corrupção sistêmica, da injustiça social e do esgotamento do modelo político venezuelano. Deu no que deu.
Em princípio, Dilma será sucedida por Temer. Trata-se de um bom constitucionalista e político experiente. Tem a vantagem de estar numa fase da vida em que a preocupação com a biografia costuma superar desvios e imediatismos. Seu suporte, no entanto, é o velho PMDB, partido de grande força e capilaridade, mas com fragilidades éticas importantes.
Armado de uma sinceridade cortante e de boa dose de desilusão, o deputado Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), um político tarimbado e combativo, traçou certa vez um quadro sombrio do seu partido e da própria política brasileira.
[su_quote]A corrupção é, de longe, uma das piores chagas que maltratam a vida brasileira[/su_quote]
Segundo ele, o PMDB é hoje “um partido sem bandeiras, sem propostas, sem norte”, no qual “boa parte quer mesmo é corrupção”. Para o ex-governador de Pernambuco, o PMDB atual não passa de “uma confederação de líderes regionais, cada um com seu interesse, sendo que mais de 90% deles praticam o clientelismo, de olho principalmente nos cargos – para fazer negócios, ganhar comissões”. E mais: “Alguns ainda buscam o prestígio político. Mas a maioria dos peemedebistas se especializou nessas coisas pelas quais os governos são denunciados: manipulação de licitações, contratações dirigidas, corrupção em geral”.
Impressionante o depoimento de Jarbas Vasconcelos! Temos razões, inúmeras, para desabar no mais profundo pessimismo. Mas não devemos. O Brasil é maior que os seus problemas. Assistimos ao avanço de um Judiciário independente e tecnicamente competente, de um Ministério Público destemido, de uma Polícia Federal republicana e de uma imprensa comprometida com a verdade e com a sociedade. Percebe-se, sobretudo, um fantástico despertar da classe média, que decidiu assumir um legítimo protagonismo na vida nacional.
A corrupção é, de longe, uma das piores chagas que maltratam a vida brasileira. Políticos corruptos e corruptores, apoiados na força de um marketing desviado, vendem ilusões e lançam migalhas de assistencialismo. Mas negam ao povo aquilo a que ele tem direito: saúde, educação e segurança compatíveis com os impostos que paga.
É preciso dar um basta ao cinismo e à ladroagem! O deputado Jarbas Vasconcelos falou em público o que a imprensa denuncia regularmente. Cabe-nos o dever irrenunciável da perseverança investigativa. Os brasileiros merecem um país decente.
Chegou a hora da verdade para os políticos e governantes. A sociedade está farta da empulhação. Os culpados pela esbórnia com dinheiro público, independentemente dos partidos e da posição que ocupem na cadeia corruptora, devem ser exemplarmente punidos. E isso não significa, nem de longe, ruptura do processo democrático, golpismo ou incitamento à radicalização.
A imprensa tem função relevante no momento que vivemos. Um condenado do mensalão referiu-se à imprensa que desencadeia a pressão popular contra homens públicos aéticos e governantes corruptos comparando-a, com cinismo, à “ditadura militar”. Tais declarações, características de políticos apanhados com a boca na botija, não devem preocupar.
Afinal, todos, independentemente de seu colorido ideológico, procuram um bode expiatório para justificar seus crimes, deslizes e malfeitos.
A culpa é da imprensa! O grito é uma manifestação de desprezo à verdade.
O Brasil está passando por profunda mudança cultural. Transparência nos negócios públicos, ética e competência são as principais demandas da sociedade. E a imprensa está sintonizada com essas aspirações.
Mas a sociedade não se pode limitar ao clamor pela saída da presidente Dilma Rousseff. É preciso criar uma agenda de reconstrução nacional: reforma política profunda (com revisão do modelo de governança de coalizão), corte efetivo de gastos públicos, enxugamento do Estado, Ministério de alto nível técnico e ético. O governo Dilma acabou. É preciso pensar e focar no dia seguinte.
Fonte: O Globo, 14/9/2015
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