Não faltam no mundo exemplos de ativismo do Judiciário. O tema é antigo, mas muitos especialistas apontam sua maior evidência no pós-Segunda Guerra Mundial, como reação à incapacidade dos parlamentos de evitar o desrespeito a direitos individuais. O conceito de ativismo judicial é bastante controverso, pela dificuldade de definir o que seria o comportamento ideal do Judiciário e, portanto, seus desvios.
Com frequência, o termo se refere ao poder discricionário para interpretar a Constituição e as leis de forma alternativa e inovadora, diferentemente do usual; e para rever decisões e compensar omissões dos demais Poderes. O Judiciário acaba se tornando um legislador.
A justificativa seria a necessidade de atender aos anseios da sociedade, o que é bastante questionado.
Muitos defendem, porém, que, em dose moderada, o ativismo é algo desejável, principalmente em situações de crise política e agitação social. Em alguns momentos, a flexibilidade do Judiciário reforçaria a democracia.
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Como ensina Luís Roberto Barroso, o que distingue o Brasil da experiência mundial é a extensão e o volume do ativismo. A separação de Poderes tornou-se muito fluida no País.
Até a Constituição de 1988, havia maior autocontenção do Judiciário, em favor das instâncias políticas. Marco da redemocratização do País, a Carta acabou favorecendo um maior ativismo. A começar pela sua abrangência e complexidade, englobando matérias que seriam, naturalmente, do Legislativo e do Executivo. Não há consenso entre juristas de como melhor interpretar a Constituição e suas incoerências.
É possível que os escândalos de corrupção desde a década passada tenham produzido um aumento do ativismo. Com a corrosão da legitimidade e da representatividade dos demais Poderes, o Judiciário aumentou ainda mais seu protagonismo. Como agravante, Dilma não soube dialogar com os Poderes.
A percepção de muitos é que excessos têm sido cometidos, gerando críticas das classes jurídica e política. Alega-se um enfraquecimento da democracia e da necessária divisão de Poderes. Afinal, o Judiciário não foi eleito pelo voto.
Na esfera econômica, o Estado brasileiro é autoritário, ao mudar leis e regras com frequência, sem critérios e sem diálogo. O Judiciário, que poderia ser parte da solução, é parte do problema. Não necessariamente se fere a Constituição, mas se fere seu espírito de zelar pela segurança jurídica.
Há exemplos recentes de intervenção indevida do STF, em decisões individuais (monocráticas), sem consultar especialistas e as partes envolvidas.
Primeiro, as liminares que impedem o Tesouro Nacional de executar as garantias de empréstimos feitos por Estados que ficaram inadimplentes, como Rio de Janeiro e Minas Gerais. Ao impedir o bloqueio de verbas, invalida-se um contrato, o que pode levar o Tesouro a suspender a concessão de avais a empréstimos no futuro. A solução deveria vir da negociação entre as partes, e não de “canetada” de juiz do Supremo.
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Segundo, a liminar estabelecendo a necessidade de autorização prévia do Congresso para privatização de empresas públicas, ferindo o regramento anterior. Caso a liminar seja confirmada, poderá gerar questionamentos sobre as privatizações passadas, ainda que a anulação seja improvável.
O ativismo do Supremo provavelmente influencia as demais instâncias do Judiciário e órgãos que compõem o sistema, como o Ministério Público e os tribunais de contas. Aumenta-se a insegurança jurídica, o que prejudica investimentos no País.
O momento do Brasil é peculiar. O ativismo do Judiciário que desconsidera a amplitude do impacto de suas ações pode ser, em alguma medida, resposta à fraqueza do presidente e do Congresso, e não apenas fruto de crenças. Correto ou não, o fato é que ele poderá ser atenuado com as eleições.
O próximo presidente precisará, pois, ter credibilidade e capacidade de diálogo com o Judiciário. Ameaçar as instituições, como fazem alguns candidatos, é mau augúrio.
Fonte: “Estadão”, 23/08/2018