Em maio de 2018, quase um ano depois de tentar devolver a concessão ao governo federal, a empresa que administra o Aeroporto de Viracopos, em Campinas, sucumbiu ao acúmulo de dívidas e à vagareza do poder público e entrou com pedido de recuperação judicial, com um volume de dívidas estimado em quase R$ 3 bilhões.
Eis alguns trechos da notícia:
Sem caixa, Viracopos pede recuperação judicial para evitar perda de concessão
[… ] Viracopos foi licitado em 2012, durante o governo Dilma Rousseff. Foi arrematado por R$ 3,82 bilhões, com ágio de 159% e apostas num crescimento acelerado do volume de passageiros e carga.
No meio do caminho, no entanto, o Brasil viveu a pior recessão da história, o que derrubou a demanda dos mercados. No pedido de recuperação, feito na 8ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de Campinas, os advogados da concessionária afirmam que, no período de 2012 a 2017, “a frustração da demanda implicou perdas estimadas de receitas de embarque e desembarque da ordem de R$ 95 milhões e de receitas de carga da ordem de R$ 914 milhões”. […]
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Com uma dívida de R$ 2,9 bilhões, sendo 93% em empréstimos e financiamentos, mais R$ 211 milhões de outorgas em atraso, a empresa tenta escapar do processo de caducidade, que extingue o contrato de concessão, aberto pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Busca ainda pressionar o governo para uma decisão mais rápida sobre nova licitação do ativo.
O pedido de recuperação foi feito em nome de três empresas: Aeroportos Brasil, companhia formada pelo grupo privado UTC, Triunfo Participações e Investimentos (TPI) — ambas envolvidas na Operação Lava Jato — e a francesa Egis; Aeroportos Brasil Viracopos (ABV), concessionária que administra o ativo e inclui a participação da estatal Infraero; e Viracopos Estacionamentos, uma subsidiária da concessionária. […]
O colapso financeiro de Viracopos é resultado de um modelo de concessão amplamente criticado pelo mercado. “O foco era distorcido, muito mais voltado para a construção do que para a operação. As concessões atuais têm muito mais chance de sucesso”, afirma o advogado Fernando Marcondes, sócio do escritório L.O. Baptista.
O advogado está certo: o colapso financeiro de Viracopos é resultado de um modelo de concessão que impede totalmente qualquer possibilidade de ajuste, por parte do concessionário, em caso de crise ou alteração das condições econômicas ou mercadológicas.
Como dito na reportagem, a operação do aeroporto foi licitada em 2012 e foi arrematada com ágio de 159% (R$ 3,3 bilhões). Na época, havia apostas num crescimento rápido do volume de passageiros e, principalmente, de carga, além de eventos turísticos importantes, como a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016.
A partir de 2014, no entanto, o Brasil experimentou a pior recessão de sua história, o que derrubou a demanda, tanto de passageiros quanto de cargas.
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Como informado, no pedido de recuperação, a concessionária afirma que, no período de 2012 a 2017, “a frustração da demanda implicou perdas estimadas de receitas de embarque e desembarque da ordem de R$ 95 milhões e de receitas de carga da ordem de R$ 914 milhões”.
É claro que houve erros de avaliação e projeção, entretanto, meu olhar de administrador apostaria que o principal problema talvez tenha sido o engessamento contratual das empresas com o governo, que tirou das concessionárias qualquer possibilidade de ajuste rápido e, principalmente, re-planejamento de investimentos, conforme as circunstâncias do mercado iam mudando.
De acordo com o contrato de concessão, havia a obrigatoriedade de investimentos da ordem de R$ 3 bilhões na expansão dos terminais de passageiros e carga, logo nos primeiros anos. Tais obras foram financiadas com recursos do BNDES, mas a amortização dos empréstimos, evidentemente, dependia de um volume projetado de receitas que não aconteceu.
Tivesse o aeroporto sido privatizado, e não simplesmente concedido sob as amarras de compromissos rígidos, é claro que os investimentos teriam seu cronograma revisto e postergado, a fim de adequá-los à demanda real e a um mercado operando em período recessivo.
No entanto, esse modelo de concessão — assim como o das famigeradas parcerias público-privadas —, com cláusulas de investimento pré-fixadas, tanto em termos financeiros quanto de prazo, retira completamente a agilidade e adaptabilidade da concessionária para lidar com as crises e as frequentes mudanças de humor do mercado.
Uma genuína privatização (entrega do ativo estatal para uma empresa privada) deveria ser seguida de uma genuína desestatização (o estado não mais teria qualquer poder de ingerência sobre o ativo). Neste arranjo, a empresa proprietária do aeroporto não só não poderia simplesmente acionar advogados para tentar devolver o ativo ao estado, como teria de se virar para se manter operacional. Por outro lado, teria maior liberdade para continuamente adaptar suas despesas e investimentos de acordo com as alterações das condições do mercado (algo que as concessões proíbem).
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Um bom exemplo a ser seguido de privatização bem sucedida (privatização mesmo, e não concessão) ocorreu no Reino Unido, em 1987, quando o governo britânico vendeu a British Airports Authority, que então passou ser conhecida apenas como “BAA Limited”, tendo sido comprada por um consórcio espanhol liderado pela Ferrovial.
Desde a privatização, a BAA — que administra os aeroportos de Heathrow, Stansted e Southampton, na Inglaterra, e Aberdeen, Edimburgo e Glasgow, na Escócia — conseguiu fazer com que seus aeroportos, os mais movimentados do Reino Unido, jamais ficassem saturados, pois sabe que isso é péssimo para os negócios. Se os serviços ali ficassem ruins, os passageiros poderiam simplesmente optar por pegar voos que desembarcassem em outros aeroportos locais, não administrados pela BAA (é como um sujeito poder escolher Viracopos em vez de Guarulhos ou Congonhas, Galeão em vez de Santos Dumont, ou Confins em vez de Pampulha).
Para ter maior rentabilidade, a BAA expandiu a proporção da área de seus terminais voltada para atividades comerciais. Isso fez com que ela tivesse de expandir seus terminais para alojar mais restaurantes e lojas, diminuindo a saturação e aumentando o conforto. Os passageiros são facilmente direcionados para essas áreas (tanto no embarque quanto no desembarque), maximizando assim a exposição desses complexos comerciais, que pagam um aluguel à BAA — apenas um exemplo de como pode se dar a rentabilidade de um aeroporto privado, além das tarifas que seriam cobradas das empresas aéreas por pousos, decolagens, querosene, estadia e pernoite das aeronaves.
Com uma administração privada, voltada para o lucro, e sem prazos de retomada dos seus ativos pelo governo — além da concorrência de outros aeroportos —, há um maior incentivo para se cuidar da infraestrutura aeroportuária, priorizando a segurança e o bem-estar dos passageiros, que são seus clientes e garantem seus lucros.
É ainda pior para rodovias
Como dito, um grave problema desse modelo de concessão é a morosidade do poder concedente (estado) para tratar de alterações no escopo do contrato, como, por exemplo, permitir os extremamente necessários ajustes econômico-financeiros (principalmente em contratos de longo prazo), que variam de acordo com as condições econômicas vigentes. Se a economia entra em recessão e a demanda cai, a empresa não tem liberdade para alterar o cronograma e o volume de seus investimentos.
Mas há outras imposições estatais ainda piores.
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Veja o que aconteceu com a concessionária Concer, que administra a rodovia Rio-Juiz de Fora: ela está obrigada, por contrato, a construir uma nova via, na subida da Serra de Petrópolis. A obra da Nova Subida da Serra (NSS) sempre esteve presente no Programa de Exploração da Rodovia (PER), contudo, sem projeto específico e sem orçamento previamente aprovado. No contrato, há menção somente a uma ‘verba simbólica’ de R$ 80 milhões, a preços de 1995 — época da concessão.
De acordo com a proposta, o custo real da obra que excedesse a estimativa acima seria, então, negociado com o poder concedente, de acordo com o projeto a ser aprovado.
Prevista originalmente para ser executada entre 2001 e 2006, a obra teve o cronograma alterado três vezes, a última em 2009, fixando prazo até 2013 para sua execução. O projeto foi apresentado em janeiro de 2010 à Agência Nacional dos Transportes Terrestres (ANTT), mas a licença ambiental só foi liberada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) quase dois anos depois, em dezembro de 2011.
A ANTT (agência reguladora) autorizou o início das obras apenas em abril de 2013, após discussões sobre o projeto e o respectivo ressarcimento. Foi assinado um aditivo ao contrato estabelecendo que a União, por meio da ANTT, faria o ressarcimento à concessionária dos valores investidos acima do previsto no contrato original. O orçamento final da obra, corrigido em 2013, ficou em R$ 897 milhões.
Entre dezembro de 2014 e abril de 2015, a ANTT realizou repasses que totalizaram R$ 237 milhões, em valores atualizados. Porém, o Tribunal de Contas da União determinou a paralisação dos repasses, alegando irregularidades no termo aditivo, argumento utilizado também pelo Ministério Público Federal, que conseguiu na Justiça Federal o bloqueio dos repasses. Desde então, as obras encontram-se paralisadas.
Conseguiu acompanhar a encrenca? Prevista para começar em 2001 e terminar em 2006, estamos em 2018, já foram gastos R$ 897 milhões, e a obra está paralisada.
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Mas agora vem a melhor parte: o TCU e o Ministério Público Federal defendem que o governo deve simplesmente deixar o contrato vencer naturalmente, para que seja novamente licitado e as obras terminadas pelo novo concessionário, já com todos os custos devidamente dimensionados. Tudo dando certo, a obra fica pronta em 2031, calculou a FIRJAN (Federação das Indústrias do RJ).
Também segundo a entidade, tal atraso implicaria custos socioeconômicos que ultrapassariam R$ 1,5 bilhão para a sociedade.
Resumo da ópera: por conta da burocracia estatal e da falta de agilidade da agência reguladora, os usuários da rodovia têm sido os mais prejudicados, em todos os sentidos — como consumidores e como pagadores de impostos. Nada disso aconteceria, entretanto, se a rodovia houvesse sido genuinamente privatizada, e não apenas concedida.
Conclusão
Além de todos os problemas técnicos acima, vale ressaltar que a política de concessões também inibe a concorrência, normalmente transformando monopólios públicos em monopólios privados.
Isso se dá porque, ao promover uma concessão e cobrar por ela, o governo não raro bloqueia qualquer possibilidade de um terceiro interessado prestar o mesmo serviço, ainda que este deseje investir recursos próprios no negócio. Assim, o concessionário da uma rodovia terá a certeza de que nenhuma outra estrada ligará aqueles dois pontos. O mesmo acontece com os portos, aeroportos e ferrovias de determinada localidade.
O estado, agindo assim, concede um monopólio legal para o concessionário.
E há também outros problemas. Como as concessões têm um horizonte de tempo limitado, com prazos definidos (após os quais os ativos são devolvidos ao estado), elas incentivam os concessionários a investir o mínimo possível no negócio, e dele retirar o máximo, durante o período de vigência da concessão. Pela mesma razão, os investimentos normalmente ficam concentrados no início do contrato (e mesmo assim somente se o retorno esperado puder ser embolsado dentro do prazo contratual), pois não vale à pena investir no seu final, algo análogo a “colocar azeitona na empada alheia”.
Por tudo isso, concessões, embora possam ser um avanço à alternativa de deixar tudo em mãos estatais, nunca devem ser o objetivo final. Apenas uma genuína privatização acompanhada de uma desestatização do setor podem realmente trazer benefícios para o consumidor daquele serviço.
Liberar empreiteiras estrangeiras para virem para cá atuar livremente no setor de infraestrutura (portos, aeroportos, ferrovias, estradas etc.), tendo garantias de que não terão seus ativos confiscados e a certeza de que poderão remeter seus lucros, seria um ótimo começo.
Que Paulo Guedes tome nota.
Fonte: “Mises Brasil”, 31/10/2018